Esses dias ouvi o professor, historiador e escritor Leandro Karnal dizer em um podcast a seguinte frase “um dos melhores sentimentos do mundo é o sentimento oceânico de dissolução em uma comunidade.”. Tenho que concordar, quem ai não quer encontrar sua turma?
Comunidade, pertencimento, sentimento de fazer parte de um grupo, debater ideias, se sentir protegido, ter objetivos parecidos e quem não quer isso né?
Estou me preparando para fazer o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Tenho estudado muito sobre e essa experiência tem conversado com o nosso tema da semana. Figurativamente: é um caminho, que poderia representar a vida, que vai ser difícil, que vou testar limites, que vou conhecer muitas pessoas, algumas vão ficar na minha vida, outras não, todo mundo está andando em direção ao mesmo objetivo – a cidade de Santiago – cada um vem de um lugar diferente, com vidas diferentes, mas nos encontraremos nessa viagem e faremos parte de um grupo, de uma comunidade: os Peregrinos.
Acredito que sabendo de tudo isso fica mais fácil passar por esse caminho. Se eu tiver bolhas, outros vão saber me entender, se eu estiver dolorida ou não dormir bem, os outros vão saber o que estou passando, vou me sentir parte de um grupo. Sei que vou poder pedir ajuda se precisar, sei que vou poder contar com outros peregrinos para conversar ou tomar uma taça de vinho no final do dia e não me sentir sozinha.
Vou pertencer, fazer parte de um grupo, de uma comunidade. Será que não é assim com todos nós em diferentes lugares da vida? Quando viajo para uma cidade nova, é muito comum encontrar: o bairro mulçumano, o bairro brasileiro, o bairro cubano…e assim por diante. Por que a gente gosta de grupo, de se sentir em casa no outro. Tem um povo que é famoso por seus viajantes irem todos para os mesmos lugares: os Israelenses.Todo viajante, nômade ou mochileiro, sabe que os Israelenses saídos do seu período do serviço militar costumam viajar antes de ingressar na faculdade. E eles viajam em grupo para os mesmos lugares (aqui no Brasil os lugares famosos são: Itacaré, Morro de São Paulo e Floripa). Inclusive em vários estabelecimentos nessas cidades você encontrará o cardápio em hebreu. Fui muito impactada por algumas comunidades muito interessantes nas minhas últimas viagens: comunidades de nômades que participam de uma conferência de empreendedorismo, criatividade e autoconhecimento, em alto mar (num navio de cruzeiro), ou em eventos de que duram semanas ao redor do mundo e por serem mais ou menos sempre as mesmas pessoas, todo mundo começa a se conhecer –
comunidade de mulheres que se reúnem em diversas atividades enquanto fazem novas amizades e networking, em Barcelona – e já estão expandindo para Paris, Amsterdã e outras localidades. Aqui em São Paulo comecei a ver o crescente número de “clubes do livro”, confraria para “comer e beber”, grupos de corrida de rua, grupos de yoga, cerâmica…
Acho que começa a ficar claro que comunidade faz bem pra gente, mas que não precisamos fazer parte de uma só. Somos muito plurais para isso, e o mundo que vivemos hoje nos permite descobrir novas pessoas, novas comunidades para fazer parte. Numa época em que vivemos cronicamente online acho interessante esse tema de comunidade num mundo em que estamos cada vez mais sozinhos e isolados, mas com a sensação de pertencer a um grupo online. Quem ai não fazia parte de comunidades do falecido Orkut – como aquela famosa “eu odeio segunda feira” – ou dos grandes grupos de Facebook. E ai rapidamente encontramos mais pessoas como a gente, ou pelo menos com algum evento como o nosso. No mundo das viagens temos muitos “Brasileiros na Tailândia”, “Brasileiros na Colômbia”, ou ainda mais nichados “mulheres que viajam sozinhas”. Num mundo tão corrido e individual acho que perdemos muito em não compartilhar. E muitas vezes acabamos indo pras redes sociais, como o nome diz: “redes sociais”, lugar de se manter conectado com seus amigos ou pessoas que você gosta, e acabamos falando sozinhos com uma câmera, para depois cada um da sua casa, sozinho, responder como ser fosse uma conversa em delay, e assim nos sentimos parte de uma comunidade.
Acho muito interessante o conceito de amigos online e amigos de verdade, vi um estudo recente que dizia que quem faz essa diferenciação seriam até os Milenials, até o pessoal nascido até 1995. Que a partir das próximas geração já são nascidos digitais e que não fazem mais diferença entre onde você conheceu ou convive com aquela pessoa.Comunidades online, comunidades no off-line, o mundo ficou grande né? Antes a nossa comunidade era a nossa família, os amigos do bairro ou da escola, o pessoal da nossa Igreja. E quer saber? Ainda é. Mas por sorte acredito que podemos fazer parte de mais comunidades à medida que aumentam nossos interesses e acessos.
Camila Aagesen é viajante profissional, se encontrou na escrita e comunicação, virou contadora de histórias, gosta mais de frio do que de calor, apesar de adorar (curtas) temporadas em ilhas quentes. Com a alma aventureira se desfez de sua base em São Paulo capital em 2018 para conhecer lugares e histórias. @camilanomade