Coluna
Saudavelmente

por Raisa Mariz

Um dia de chuva que regou minha existência

“Era um dia chuvoso quando me deparei, no semáforo, com um casal de senhores atentos para atravessar a rua. A luz verde do sinal abriu pra nós, pedestres, eu atravessei e eles ficaram. Ao chegar do outro lado olhei pra trás e fitei aquele casal, me perguntando porque eles ainda estavam parados ali. Voltei. Perguntei: 


“- Jovens, vocês precisam de ajuda?” 

Eles não responderam! Novamente perguntei, num tom de voz mais elevado: 

“- Jovens?? Vocês precisam de ajuda?” 

E eis que o senhor respondeu: 

“- Ah, obrigado! Desculpe-me, é que você̂ falou jovens e eu pensei que estava falando com outras pessoas.” E ele continuou: “- Bem, já́ se passaram três sinais verdes para nós e estamos com medo de atravessar. Está chovendo e minha esposa quase caiu ali há pouco, e já́ não sei mais como fazer…” 

No que respondi: 

“- Vou ajudar vocês!” 

O sinal abriu para nós e saímos juntos. Nos demos os braços e começamos a travessia, devagar. Chegamos ao final da rua. Mas, curiosamente, não ao fim do destino. Fomos caminhando naturalmente juntos por mais quatro quarteirões, a chuva foi cessando e nos encostamos numa livraria. A senhora me abordou: 

“- Eu achei engraçado você̂ nos chamar de jovens, pois há muito tempo não sabemos o que é isso…tenho 70 anos, mas eu gostei disso, viu? Está vendo, querido, somos jovens?!” 

“- É verdade…a vida foi nos aposentando de nossa juventude e nem percebemos o quanto podíamos ser. Agora temos que ter cuidado redobrado com a saúde, com as pessoas, e com um simples atravessar a rua. E aí parece que somos criança de novo!” 

Filosofei! Pra ser feliz é necessário ser jovem? A senhora continuou a reflexão por mim: 

“- Sabe, na verdade a gente esquece quem somos muitas vezes. É muita informação, muito estresse, medos e preocupações…e enfim nossa vida vai passando. Mas se pararmos pra pensar: hoje, por exemplo, saímos decididos a comprar uns livros e tomar um café́, mesmo na chuva. Olha como foram ousados esses dois jovens senhores?” (E riram!) “- Chegamos na livraria e ainda fizemos uma amiga! E o nosso bem-estar não é sobre isso? Sobre o que fazemos no dia a dia para cuidarmos de nós?” 


Ela estava com tanta razão que eu só admirei aquela senhora e balancei a cabeça. Sim! O nosso bem-estar envolve muito mais que check-up de exames e consultas medicas para verificar nossa saúde física.


É claro que é extremamente relevante e necessário. Mas ela mesma expressou que há outros fatores que nos cercam nessa vida pós-moderna: excesso de informações, estresse, medos. E, se não soubermos administrá-lós, adoeceremos. Se isso já era preocupante antes da pandemia, temos hoje um mundo frenético pós-pandemia, com a sensação de que devemos viver tudo muito rápido e para ontem, e essa pressão gera cobrança e desgaste que desembocam em esgotamento físico e sofrimento psíquico. A OMS informa que só no primeiro ano da pandemia de COVID-19, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%, e, atualmente, está aumentando…Para onde foi nosso auto cuidado? E é aqui que nossa saúde se torna frágil e prejudicada. 


Os profissionais de saúde nos alertam, por exemplo, sobre o consumo atual desenfreado de remédio tarja preta por pessoas absolutamente saudáveis. Por isso é importante descobrir o que faz sentido para você̂ e sua saúde: praticar a atividade física que lhe agrada (e não a que está na moda só por fazer), cozinhar, ler, viajar, trabalhar, se relacionar, ter filhos (ou não), enfim…são muitas opções! Eita, como é difícil! 


Este é um convite à nossa reflexão: Desde quando você̂ deixou de ser jovem? Há quanto tempo você̂, jovem, exerce sua juventude cuidando do seu corpo, da sua mente, das pessoas e do mundo? Ops. Percebi que o tempo estava passando: “- Bom, jovens, eu preciso ir! Foi um prazer estar com vocês!” “- Oh, meu jovem! Nós que agradecemos: reacendemos nossa juventude e nossa forma de encarar o nosso tempo. Você̂ mudou nosso dia cinzento!” Hoje eu quis ajudar esses senhores a atravessar a rua, mas eles me ensinaram muito mais: me dei conta que até nos dias nublados encontramos possibilidades de sentido, através dos raios de sol escondidos que não percebemos. Sejamos luz!

Raisa Mariz é psicóloga clínica e professora universitária. Mestre em saúde pública, especialista em logoterapia e saúde da família e pesquisadora nas áreas da infância e família. Natural de Campina Grande/PB, ama essa terra e todas as suas raizes nordestinas. Acredita na arte e educação como potencializadores de sentido de vida. O seu lugar é onde tem música, pôr-do-sol, familia e amigos.

Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião da Revista Propósito