Coluna
Barba, cabelo e bigode

por Ronnedy Paiva

Transformando a vida em um monumento: envelhecimento, masculinidade e sentido

Você já deve ter ouvido alguém dizer que tal pessoa tem “espírito de velho”, referindo-se àquela que não gosta de agitação, festas barulhentas ou algo do gênero, preferindo, entretanto, o aconchego do lar, a calmaria e a tranquilidade de uma vida simples. Mas, afinal, quando é que uma pessoa se torna idosa? E são essas as características que definem alguém idoso?

No Brasil, a Lei nº 8.842 considera idosa a pessoa com sessenta anos ou mais. Contudo, segundo Afonso Deecker, em seu livro Saber Envelhecer (1997), existem três diferentes idades em cada ser humano: a idade cronológica, que corresponde aos anos de vida; a idade biológica, que diz respeito ao estado do corpo; e a idade psicológica, que se refere à percepção subjetiva de quantos anos a pessoa sente ter. O autor explica que, no processo de envelhecimento, é importante não construir uma visão fatalista sobre essa fase, adotando uma postura comportamental em detrimento da idade cronológica. Ou seja, na dicotomia entre o que é considerado comportamento de gente jovem e o que é próprio de pessoas idosas, não se deve limitar as ações ao que a idade cronológica impõe. Vale salientar que envelhecer não é sinônimo de adoecer; por isso, havendo vigor físico, algumas atitudes consideradas, talvez, mais apropriadas para os jovens devem ser mantidas e aprimoradas, dentro das limitações do próprio corpo.

Esse tema torna-se ainda mais pertinente quando o assunto é masculinidade. Culturalmente, existe um modelo pré-concebido de masculinidade segundo o qual o homem deve possuir vigor físico, ser ativo, provedor, forte e resistente, características que, inevitavelmente, são afetadas pelo envelhecimento. Assim, essa fase pode representar uma crise para muitos homens, que se veem diante da perda desses atributos culturalmente valorizados, podendo, consequentemente, desenvolver uma neurose noogênica. De forma análoga à neurose dominical, em que a pessoa, após a agitação da semana, se depara com a falta de sentido, no envelhecimento, passado o tempo e perdido o vigor físico e o prestígio social, também pode surgir um sentimento de vazio existencial. Tendo consciência disso, Frankl, no livro Em Busca de Sentido (2014), adverte os idosos que sentem inveja dos mais jovens por terem tempo de vida ou possibilidades futuras a serem realizadas.

Para ele, a pessoa idosa possui realidades consolidadas em seu passado, e tais realizações estão protegidas da transitoriedade da vida, guardadas no “celeiro do passado”, onde nada pode ser desfeito ou eliminado, pois o que já foi vivido é a forma mais segura de ser. Deecker (1997) complementa essa ideia, afirmando que é necessário coragem para observar as gerações jovens sem inveja; somente ao reconhecer e aceitar o que pertence a etapas passadas da vida é que alguém pode envelhecer sem medo ou descontentamento. Nessa direção, Neri, Yassuda e Cachioni, no artigo Velhice bem-sucedida: aspectos afetivos e cognitivos(2004), apontam que uma velhice bem-sucedida resulta da harmonia entre as perdas naturais do envelhecimento e as capacidades mantidas, ou seja, depende do equilíbrio entre limitações e potencialidades. Essa compreensão dialoga com a concepção antropológica de Frankl, segundo a qual o ser humano não é livre dos condicionantes, como o biológico, no caso, o envelhecimento, mas é livre para posicionar-se diante deles por meio de suas atitudes de valor. Assim, envelhecer bem é aceitar as transformações do corpo sem perder o vigor da dimensão noética, que, além de não adoecer, ouso dizer, não envelhece. É redescobrir uma masculinidade que não se mede mais pela força física, mas pela serenidade, pela sabedoria e pela capacidade de continuar encontrando sentido na vida, independentemente do tempo.

Concluo esse texto um dia após ter completado 33 anos. Estou longe da idade cronológica considerada para um idoso (60 anos), mas estou chegando à idade adulta (34 anos até os 60 anos). Perceber as perdas que o corpo naturalmente enfrenta é um desafio, confesso. Contudo, poder desenvolver outras habilidades que o tempo nos ajuda a adquirir é um privilégio. Minha singela dica, através do que tenho observado e vivido, é: mantenha-se ativo. Produza, estude, se cuide, pois envelhecer não precisa ser, teoricamente, sinônimo de declínio ou estagnação. Ao contrário, pode ser uma oportunidade de descobrir novos sentidos, de cultivar novos aprendizados, de fortalecer relacionamentos e transformar experiências em sabedoria, de transformar a própria existência em um monumento .

Ronnedy Paiva é psicólogo, especialista em Psicologia Existencial, Humanista e Fenomenológica e Pós-graduando em Logoterapia e Análise Existencial. Natural de Londrina-PR, gosta de futebol, livros, estudos, conversas e comida boa! Escreve sobre existência e masculinidade, acreditando que o diálogo pode transformar as relações existentes consigo, com o outro e com o mundo. @ronnedypaiva

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