Coluna
Diário do Sentido

por Luiz Guedes

Ser brasileiro é ser muita coisa ao mesmo tempo. E não ser muitas outras.

Eu não concordo com a ideia de patriotismo em sua essência. Acho imbecil. Ao mesmo tempo que identidade cultural existe no mundo material e ela se mescla ao pertencimento gerado pela identidade nacional.

Então o que é ser brasileiro?

Ser brasileiro envolve uma proximidade com experiências múltiplas que se acumulam, se misturam e ao mesmo tempo se tornam antagônicas entre si. Temos uma enorme pluralidade cultural embaixo de um mesmo guarda-chuva, que infelizmente não é suficiente para definir o que é ser brasileiro. A ideia de pertencimento emerge em meio a práticas que influenciam e são influenciadas pelo cotidiano, sustentadas por modos de vida que se reorganizam diante das condições materiais e abstratas do tempo. As referências se mantêm dispersas, e ainda assim permitem formas de continuidade, mesmo quando não há nome exato para aquilo que se compartilha. Quando não se

sabe como nomear o que existe nas intersecções de várias identidades culturais em uma única nação que, mesmo que alguns teimem em contrariar a ideia, segue lutando por soberania.

As expressões culturais resultam de diferentes histórias, línguas e contextos, compondo movimentos potentes e extremamente fluídos. Cada território desenvolve maneiras próprias de lidar com a vida, e essas formas persistem mesmo diante de instabilidades e de um território ridiculamente grande como o nosso. Os vínculos que se formam entre os grupos não dependem apenas de um ponto fixo de origem e passam por constantes metamorfoses a partir da circulação de experiências que se atualizam no contato com os meandros de cada época da nossa conturbada história. Desde a invasão portuguesa, políticas escravocratas, tentativas de embranquecimento populacional, ditaduras empresariais-militares e redemocratizações em modelos não tão democráticos assim. Ainda seguimos na busca por sermos brasileiros. E talvez essa busca seja um ponto em comum da construção de uma identidade nacional. As relações coletivas muitas vezes se sustentam em estruturas frágeis e propositalmente corroídas para gerar desunião onde deveria existir pertencimento.

Mesmo com todo o esforço, o brasileiro segue se construindo na sua capacidade de mesclar o seu com o outro, o dentro com o fora, o absurdo com o sentido.

O brasileiro, nas palavras do filósofo Wallace é como uma banda que “mistura indie rock com eletro e um tiquim assim, desse tamanhim assim de carimbó”.

Pensar o Brasil exige atenção às dinâmicas que organizam a vida no concreto do cotidiano. Cada escolha de continuidade, cada prática que favorece o cuidado, cada tentativa de nomear a própria experiência participa da construção de pertencimento. O que se compartilha se forma na permanência dos vínculos, nos ritmos sustentados com

aquilo que se torna importante para quem vive. Vive o guê? O Brasil e suas incontáveis reviravoltas e revoltas. As vezes não tão revoltosas como deveriam ser. As vezes meio chapa branca demais, mas com sensação de fogueira. Que as vezes, infelizmente, é

santa demais.

Ser brasileiro envolve um compromisso com o que está em curso e com as transformações a cada momento. É lutar diariamente contra quem está do seu lado,mas que acha que está do outro lado. É tentar fazer caber culturas tão diversas dentro de uma caixinha do “brasileiro de verdade” e falhar miseravelmente. É falhar no geral.

É ter sucesso no geral. É ter ambos no específico. Ser brasileiro é ser abundante. É ser vira-lata caramelo. No fim das contas eu não tenho a pretensão de definir o que é ser brasileiro, só sei que sou e quem é completamente diferente de mim também é. Talvez por isso o conflito seja tão peculiar e ao mesmo tempo tão nosso.

Fez sentido? O Brasil as vezes também não faz. Mas a gente gosta mesmo assim.

Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestre em Psicologia e Saúde pela UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido

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