Para falar sobre saúde mental na sociedade moderna é de fundamental importância refletir sobre a racionalidade do neoliberalismo. Pensando nisso, o título da nossa coluna, desta edição, teve inspiração na canção ‘quanto vale a vida’ da banda Engenheiros do Hawaii, por ela servir de instrumento para uma reflexão acerca do ser neoliberal.
Na racionalidade neoliberal, que rege a sociedade contemporânea, o indivíduo “não pode mais contar com a proteção do Estado e da família, nem com a mediação e a solidariedade do outro, cabe somente a ele a realização de seus empreendimentos. Tem-se um Estado mínimo e cada indivíduo é uma microempresa.” (POMBO, 2017).
Nessa lógica, cada indivíduo deve investir em si mesmo com fim de valorizar o seu corpo e a sua microempresa, isto é, cada sujeito passa a ter um preço a partir da sua condição de consumidor. Um valor que é excludente, pois na medida que algo se torna precificado ele pode ser substituído.
Em vários momentos a letra da canção nos questiona se existe um valor para a vida em diferentes contextos: “Quanto vale a vida de qualquer um de nós? Quanto vale a vida em qualquer situação? Quanto vale a vida perdida sem razão? Num beco sem saída, quando vale a vida? Quanto vale a vida quando vale a pena? Quanto vale quando dói?”.
Todas essas perguntas poderiam ser respondidas por uma ótica filosófica, aliás, é o questionamento sobre a vida um dos grandes alicerces da filosofia “quem somos? de onde viemos? para onde vamos? Todavia, se percebe que alguns versos apresentam uma linguagem de caráter econômico: “quanto vale o tesouro nacional?”, “São coisas que o dinheiro não compra”.
Quer dizer, na sociedade contemporânea essas perguntas apresentam mais respostas dentro de uma lógica econômica do que em uma lógica filosófica tendo em vista que em todo instante somos atravessados por uma infinidade de agentes que etiquetam as nossas vidas, nos atribuindo preços.
Em uma sociedade guiada por valores econômicos, frequentemente, a saúde mental é colocada em segundo plano. Junto a isso, a pressão para atingir padrões inatingíveis muitas vezes resulta em um custo humano significativo, ou seja, ter o valor da vida influenciado pelos padrões econômicos e competitivos pode comprometer aspectos humanos essenciais ao bem-estar.
Compreender a dinâmica do ser neoliberal nos permite questionar e repensar as prioridades sociais para garantir um bem-estar psicológico e promover sistemas que valorizem não apenas o crescimento econômico, mas também a saúde mental de cada indivíduo.
Quanto vale a vida? Partimos da ideia de que a vida não tem preço “são coisas que o dinheiro não compra”, entretanto, não é esse o retrato da sociedade moderna. Nas manchetes de jornais, nos diversos aparatos de medicalização da vida e da violência nos deparamos com a desvalorização da vida perante as diversas formas de atrocidades cotidianas. De igual modo, a saúde mental transcende qualquer valor material, não devendo se sujeitar a avaliações monetárias. É através desse reconhecimento, da inestimabilidade da vida, que podemos avançar na construção de uma sociedade que invista em bem-estar emocional e qualidade de vida, independente de considerações exclusivamente financeiras.
Arthur Arruda é psicólogo pela UEPB tem interesse e experiência nos seguintes temas: psicologia clínica, social, social comunitária, saúde mental. É nômade digital, apaixonado por futebol e amante da MPB. @arthurmarcell_