Débora Torres
Quem diria que após 8 anos sem compreender as perguntas que a vida me fazia, uma viagem marcaria meu ponto de decisão? Muitos dizem que as pessoas da cidade grande vão morar no interior em busca de qualidade de vida. Eu porém, defini meus termos de qualidade de vida primeiro, depois fui morar no interior. Sabe quando você faz o seu melhor todos os dias, mas no final percebe que seu melhor ainda está por vir? E até aqui deixei vocês na expectativa: “Sobre o que ela está falando?” No final das contas aprendi que a palavra descanso nada tinha relacionado a desocupação, mas sim sobre conscientização. Te conto melhor minha história. Minha filha nasceu em 2010. Engordei 19 quilos durante a gestação. Vivia uma vida agitada, corrida, intensa e sem parada. Vivia para o trabalho, vivia em trabalho, vivia no trabalho. Sempre fui uma profissional dedicada e extremamente comprometida, antes e depois da minha filha.
E talvez estas duas qualidades ajudaram a tardar minha mudança de carreira. Nunca disse que queria ser grande, nunca estabeleci objetivos grandes. Mas meu esforço me levou a crescer nas empresas por onde passei. Quando voltei da licença maternidade estava no auge da minha carreira, a vida me conduziu a trabalhar em multinacionais, assumindo responsabilidades grandes; onde travei lutas e batalhas em prol dos negócios em que eu estava inserida. Sem perceber, fui deixando todas as outras coisas de lado (talvez até para trás): família, amigos, lazer, saúde, eu mesma. Sabotava tudo ao meu redor em nome de algo que eu julgava maior: meu trabalho. Fui sendo reconhecida, alcançando uma vida material consequente da minha dedicação. As coisas foram apenas acontecendo sem um planejamento até que em 2018, durante uma viagem, tudo mudou.
Cabe ressaltar aqui que um ano antes, em 2017, havia me deparado com a Logoterapia de Viktor Frankl, e alguns temas começavam a fazer sentido para mim. Mas em 2018, nesta viagem ao me deparar com algumas dificuldades físicas e alimentares, decidi que não queria entrar para as estatísticas, não queria envelhecer de qualquer jeito. Naquele instante aprendi a traçar meus planos, estabelecer meus objetivos e persegui-los, com rotas certas.
A Finitude da vida
Minha avó materna havia partido em 2016 aos 82 anos. Os outros 3 estavam vivos ainda e todos já haviam passado dos 80 anos. Minha nona (bisavó paterna) viveu até os 94 anos. Todos os avós entretanto, com problemas de saúde. Foi então que eu decidi que queria envelhecer vivendo; sem doenças (ou pelo menos, tentando evitá-las). Garantir o meu melhor até o fim da vida. E pensei: se meus avós, sem se cuidarem, passaram dos 80, com autocuidado eu poderia chegar aos 100 anos. Este foi o meu primeiro objetivo traçado, tornando-se minha meta de vida. Fazer o melhor para chegar o mais próximo possível dos 100 anos, conservando a mente, o corpo e o espírito; evitando doenças, poupando o desgaste e buscando saúde. Havia muita possibilidade, bastava atitude.
Mudanças bruscas
Precisei estabelecer prioridades para ser mais assertiva no alcance dos objetivos. Primeiramente parei de tratar tudo como um problema, parei de ver as dificuldades e passei a enxergar as possibilidades. O que estava ao meu alcance. Parei de lutar contra o tempo e aprendi a extrair o melhor dele. E deixar cada coisa no seu lugar: o que era trabalho no trabalho, o que era de casa, em casa, o que era lazer, lazer; até meus papéis começaram a ficar mais claros. Não haveria vida sem estresse, apenas precisava aprender a gerenciar este estresse. Ou eu o dominava, ou deixava ele continuar tomando conta da minha vida. Decidi assumir a rédea.
Este foi o meu primeiro objetivo traçado, tornando-se minha meta de vida. Fazer o melhor para chegar o mais próximo possível dos 100 anos, conservando a mente, o corpo e o espírito; evitando doenças, poupando o desgaste e buscando saúde.
Um ano antes, eu já sabia que estava em vias de mudar minha carreira, decidi que era a hora de estabelecer um planejamento factível para isso. Acordei com a família quando e como seria. E o planejamento trouxe paz ao meu coração. Passei a encarar os desafios do dia-a-dia, apenas como desafios e não como impossíveis. E descansei em minha decisão.
Alimentação
É muito comum que nos auto sabotemos quando deixamos o tempo nos dominar. Mas quando assumimos a responsabilidade, compreendemos que tudo é possível, basta gerenciar. Aprendi a não colocar desculpas para uma alimentação ruim. Aprendi a comer bem. Não foi uma dieta. Foi uma reeducação global, não apenas alimentar. O tempo não iria mais me roubar. Comecei a preparar meu próprio alimento. De uma maneira saudável que eu gostava. Passei a transportar meu alimento, sem desculpinhas para ingerir coisas que me faziam mal. Se queremos mudanças precisamos fazer acontecer, sem medo. Encarar aquilo que queremos, sem dar espaço para críticas.
Atividade física
Já vinha praticando o esporte da corrida, mas sem constância. Para me dedicar com afinco eu precisava de tempo para o fortalecimento muscular. Não era possível criar horários na minha agenda, mas era possível gerí-la de uma maneira melhor.
Foi assim que eu consegui encaixar a musculação na agenda. Num primeiro momento, para estar numa academia confortável, sobrecarregava minha filha, acordando-a mais cedo para deixá-la na escola, mas a vida me deu a oportunidade de avaliar melhor. Troquei de academia, para um lugar não tão bonito, mas funcional, e onde poderia me sacrificar e não mais a ela. E este foi um grande aprendizado para mim. Ela ficava dormindo enquanto eu me exercitava. Quando chegava em casa, preparava minha marmita, tomava um bom café da manhã e banho. Deixava minha filha na escola e ia para o trabalho. Enfim o tempo começava a trabalhar para mim.
Família, o verdadeiro descanso
A vida cronometrada durante a semana nos permitiu enxergar que era necessário desligarmos o automático para podermos contemplar o belo. Como eu gostava de correr, estabelecemos uma rotina aos sábados: íamos para o parque bem cedo, enquanto eu corria, meu marido e minha filha, andavam de bicicleta, ou apenas passeavam no parque. Depois tirávamos a manhã para curtir o parque, fosse com nossos cachorrinhos, tocando e cantando, patinando, ou qualquer outra coisa que quiséssemos fazer, sem preocupação com o tempo, ou com afazeres. Era nosso momento. Foi nesta época que aprendemos que somos parceiros, companheiros, cúmplices. Olhar para o lado e ver quem você ama seguindo a vida junto com você é a melhor recompensa. A vida havia nos dado a oportunidade de viver juntos e não poderíamos desperdiçar esta oportunidade. Os finais de semana eram para recarregar nossas energias, verdadeiros oásis.
A consequência das escolhas
Tudo aconteceu de maneira orgânica, não abrupta. O que foi acumulando um significado especial para cada momento, cada vitória. E o ciclo era mantido naturalmente com gerenciamento do estresse, alimentação saudável, prática da atividade física, descanso. O verdadeiro descanso nos proporciona tranquilidade, nos faz acalmar, serenar. O verdadeiro descanso não é sobre “não fazer nada”, mas sim sobre “fazer o melhor, gerenciando a vida de maneira saudável e razoável”. O verdadeiro descanso é sobre saber colocar os limites; é sobre ter uma vida balanceada; é sobre admirar aquilo que se faz. Hoje como consequência das nossas escolhas, optamos por morar em um lugar calmo, cidade pequena. De lá eu posso cuidar do meu lar, da minha família, praticar meus esportes, ter uma alimentação saudável e me dedicar a missão que a vida me deu, o trabalho de psicóloga que faço com afinco e amor exige muito de mim, é como um jardim que a vida me confiou cuidar, é a tarefa que tenho em minhas mãos. Quando descanso, eu olho para tudo aquilo que fiz e admiro cada detalhe. A contemplação da obra das minhas mãos me preenche de gratidão e alegria. Tenho dias intensos, a agenda bem cheia, mas quando descanso naquilo que fiz de bom e belo encontro a completude da minha existência. Não há desculpas que sejam maiores que a vontade de seguir adiante. Traçar planos faz parte da vida. Mas para que eles possam ser alcançados, é necessário dedicação, presença e o verdadeiro descanso.