Coluna
Diário de Sentido

por Luiz Guedes

O trabalho dignifica o homem ou já somos dignos antes disso?

Refletir sobre o trabalho que desempenhamos é, primordialmente, considerar o lugar que ocupamos na sociedade excessivamente utilitarista em que estamos inseridos. Somos percebidos conforme nossa ocupação profissional. Eu sou Luiz, psicólogo. Não sou Luiz, aquele que gosta de animes, que aprecia cachorros ou que almeja um dia ir ao espaço. Não, dentro da nossa sociedade que valoriza a utilidade humana, sou definido pelo que gero através do meu trabalho. Isso determina o nível de prestígio que recebo na hierarquia social. Não sou tão bem-visto socialmente quanto um médico, mas sou consideravelmente mais respeitado do que um gari ou um pasteleiro, por exemplo. Mas por que isso ocorre? Não precisamos de garis? De pasteleiros? Claro que sim, assim como precisamos de médicos, psicólogos, pedreiros e de qualquer profissão que contribua para o bem-estar social.

 

A hierarquia deriva da concepção de que a dignidade humana está vinculada à capacidade de gerar renda, ao impulso dado ao mercado, e, por conseguinte, quanto mais lucrativa a profissão, maior seu valor social. Vocês já imaginaram o caos em uma sociedade sem médicos? E o caos em uma sociedade sem garis? Ambas as profissões são não apenas necessárias, mas essencialíssimas. O que varia é o acesso a cada uma delas. “Mas o filho do fulano, vindo da favela, tornou-se médico e blá blá blá”. Argumento DESONESTO que transforma exceção em regra. A verdade é que médicos, advogados, psicólogos e outras profissões de prestígio universitário são majoritariamente ocupadas pela elite social e econômica.

 

Ver o trabalho como medida da dignidade humana é limitar o ser humano àquilo que ele gera de dinheiro, contradizendo os princípios da logoterapia que ressaltam a profundidade da humanidade, e adentrando o esgoto do neoliberalismo, onde o que mais importa é a grana.

 

O dinheiro tem muita importância no sistema que vivemos, porém, não se deve permitir que ele seja considerado um fim em si mesmo, muito menos um determinante do valor da dignidade humana.

Excluir da dignidade aqueles que geram menos dinheiro é excluir a maior parte da população. É negar que trabalhar com o que se ama é um privilégio, não porque não haja espaço para todos exercerem suas paixões, mas porque a maioria é privada da simples ideia de que viver daquilo que se ama é possível.

 

A elite não deseja que compreendamos o sentido do trabalho como algo intrínseco à nossa capacidade de reflexão, pois isso feriria o ego de quem tem o luxo de ponderar sobre o sentido do que faz. A massa não é encorajada a contemplar o sentido do trabalho, pois isso exigiria uma pausa para reflexão e a percepção do quanto está sendo explorada, o quão desproporcional é a recompensa pelo suor derramado. Não desejam que questionemos o sentido do trabalho para que a associação entre dignidade e renda permaneça inabalável.

 

Não me importa se desejam que eu questione ou não, eu questionarei e não podem me impedir. Seu trabalho o torna digno ou você é digno apesar dele? Você tem o luxo de desconsiderar as pessoas por ser parte da elite? Pode-se dar ao luxo de refletir sobre a própria vida enquanto trabalha sem pressa? O que te faz um trabalhador? Meu amigo, o que seu trabalho revela sobre você? O que você revela sobre seu trabalho? Qual é o significado que você enxerga nele além de pagar suas contas e ser reconhecido pelo mundo ao seu redor? Você conhece as respostas para essas perguntas ou são tão delicadas quanto cristal para serem tocadas? Reflita com carinho sobre o sentido do seu trabalho, sobre a posição que ele te faz ocupar na hierarquia social e, se desejar, considere como você é digno através dele ou apesar dele. Ou não faça nada disso, adentra esse terreno quem quer.

Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestre em Psicologia e Saúde pela UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido

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