Coluna
Diário do Sentido

por Luiz Guedes

O tempo como companheiro do sujeito que envelhece

O envelhecimento é a arte de conviver com o tempo. É o processo de como o tempo se inscreve na existência. Cada dia vivido amplia o campo da própria existência e torna mais visível o caminho percorrido. O tempo deixa de ser uma medida externa e se transforma em presença com a qual se dialoga silenciosamente. Viver é permanecer em relação com essa presença, que acompanha, acolhe e testemunha a formação de quem se é.

Cada instante vivido se acumula em camadas que configuram quem se é, compondo uma continuidade que permanece em movimento e ganha espessura à medida que se torna presença. O tempo se revela como um campo de densidade crescente, onde as experiências se sedimentam e oferecem sustentação à existência.

A logoterapia compreende o ser humano como um ser em devir, que descobre sentidos, mas que também está em um constante vir a ser, que se realiza em um fluxo de resposta à vida. O tempo, nesse horizonte, se apresenta como o espaço em que o sentido se manifesta. A cada instante, a vida se oferece como tarefa e descoberta de novas percepções. O envelhecimento amadurece essa convivência: o tempo se faz íntimo, tornando-se parte do próprio modo de existir.

Habitar o tempo é acolher o próprio percurso. As memórias se tornam modos de presença, configurando uma continuidade que sustenta o agora. Cada lembrança traz consigo uma forma de permanência, uma linha invisível que une o passado ao presente. A pessoa que envelhece aprende a reconhecer essas linhas e a perceber nelas a coerência do próprio viver. O que foi vivido se integra e continua atuando, mantendo vivo o rizoma que é a existência.

Com o passar dos anos, o tempo revela sua textura. O ritmo tende a se tornar mais sereno e, nesse compasso, a vida se mostra em detalhes antes imperceptíveis. O envelhecimento permite uma escuta mais atenta e um olhar que se detém naquilo que sustenta o cotidiano. O tempo aprofunda o movimento da vida e oferece ao ser humano a possibilidade de acompanhar-se em cada transformação, permanecendo próximo do que se desdobra em si mesmo.

A coexistência com o tempo é também um gesto de reconciliação. Ao reconhecer-se em continuidade com o próprio caminho, a pessoa encontra serenidade para permanecer em si. Essa serenidade nasce da compreensão de que tudo o que foi vivido participa da tessitura do presente. Cada fase contém uma forma singular de realização, e o envelhecimento torna visível essa unidade silenciosa que atravessa a existência.

Na experiência de envelhecer, o tempo se torna testemunha e companheiro. Ele acolhe o que foi, sustenta o que é e guarda espaço para o que ainda pode se revelar. A vida aparece como um processo em curso, sempre disponível à descoberta de novos sentidos. O envelhecimento aprofunda esse movimento, permitindo que o ser humano permaneça em diálogo contínuo com sua própria história e com os caminhos que escolheu caminhar.

O tempo como companheiro é a imagem de uma vida que aprendeu a permanecer em relação com sua própria vivência. Envelhecer é seguir habitando o fluxo da existência com presença e escuta, reconhecendo o sentido que se mostra a cada instante. Lembrando de um ponto extremamente importante que é esquecido a todo instante: Só não envelhece quem morre antes e se atentar a esse fato nos permite ter a oportunidade de ver o envelhecimento sob outro prisma.

Então fica a questão que todos nós podemos pensar: Até que ponto conseguimos caminhar ao lado do tempo sem perder de vista o que, em nós, continua a nascer?

Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestre em Psicologia e Saúde pela UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido

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