Priscilla Vogt
E será que é possível chegarmos a uma definição que consiga englobar ou contemplar tamanha complexidade de uma resposta para uma pergunta como essa? Ser mulher, o que querem e o que buscam? Neste mês de março nós, mulheres da Revista Propósito, resolvemos tentar responder a essas perguntas, já que vivemos tempos de tantas desconstruções. Podemos começar respondendo por questões biológicas, afinal, em nossa natureza nossos corpos são diferentes do dos homens, pois somos nós quem temos a capacidade de gerar outro ser humano. Temos um útero e podemos amamentar. Podemos trazer para discussão a proposta da intelectual Simone de Beauvoir que entendeu o ser mulher como uma construção histórica e social e fez diversas contribuições para trazer luz a essa problemática. Para nos ajudar a aprofundarmos mais essa discussão, nada mais justo do que ir as ruas e ouvir àquelas que podem responder a essas perguntas junto conosco.
Foram entrevistadas algumas mulheres, de cenários de vida bem diferentes que, através dessa multiplicidade, permitiram agregar ainda mais valor a essa matéria e expandir as nossas perspectivas sobre o ser mulher. Paula, 37 anos, casada, 1 filho (1 ano e 8 meses), atualmente Country Manager de uma empresa multinacional. Paula explica que “o histórico da minha vida é o histórico da minha carreira. Teve relacionamentos e viagens, mas sempre orientada para o trabalho. Haviam os sonhos pessoais como ser mãe, mas ele estava guardado porque estava focada na carreira.” Enquanto que sua mãe fugiu de casa e abandonou os estudos para viver um grande amor com seu pai. Através da sua dedicação foi natural conquistar outros cargos até chegar onde está, até que o desejo pela maternidade bateu forte depois do casamento.
Diz que foi quando se tornou mãe que começou a história da sua vida, porque até então era orientada para o trabalho. Passou a se dar conta de muita coisa a seu respeito e se posicionar, fazer novas escolhas pessoais. Reconhece que agora voltou a viver. Entendeu que trabalhar não é mais a sua vida, no entanto reconhece que ele foi um grande alicerce que proporcionou construir sua família, seu casamento e sua casa. Percebeu que a simplicidade é tão gostosa e quer aproveitar os momentos que não custam dinheiro.
Claudia, 42 anos, casada, sem filhos, Gerente Senior de Serviços de TI de uma empresa multinacional. Explica que é filha única de pais mais velhos e desde cedo sua preocupação foi com a sua independência devido as questões financeiras da família. Se considera uma pessoa muito curiosa e desbravadora, sendo os pilares para suas escolhas de vida, fazendo com que se jogasse em situações novas e únicas, indo pelo caminho não tradicional. Na juventude seu maior desafio foi se encontrar profissionalmente, mas aos 20 anos decidiu mudar de cidade motivada pela parte profissional e buscando expandir cultura, pois sempre gostou de ver a vida por diferentes perspectivas, queria ir além. Optou por não ter filhos, pois entende que é uma grande responsabilidade e não uma imposição social. A respeito das dificuldades que encontraram até hoje por ser mulher, elas relataram diferentes situações que vivenciaram.
Paula contou sobre já ter se vestido e se portado mais como homem no início da carreira porque queria ser aceita e ouvida naquele mundo masculino e também para evitar assédio. Queria ser conhecida pelo seu conhecimento intelectual e não pela beleza. Viveu situações em que falava algo no meio de trabalho e um colega homem repetia o que ela falava e tomava o crédito. Precisou aprender a se impor e falar que aquela ideia era dela. Precisou se dedicar muito mais que os homens, ser esforçada, trabalhar e estudar mais. Sempre buscou agregar mais para poder chegar numa discussão e ter mais conteúdo para discutir. Claudia apontou a ausência de representatividade na sua área profissional.
Justificou que quando a mulher resolve trilhar um caminho que não é o mais obvio (Ex. área de TI), não nos sentimos representadas, pois a maioria são homens.
Em sua trajetória não encontrou alguém que sentisse as mesmas dores que as suas para poder se aconselhar ou até mesmo receber acolhimento.
Falou também sobre os estereótipos na área de tecnologia e dos rótulos na carreira, tendo em vista ser uma profissão de ciências exatas e o entendimento de que não era um papel de mulher e que um homem sempre vai fazer melhor.
Explicou que para encontrar a nossa voz é preciso vestir uma armadura com características mais masculinas do que femininas. Só que percebeu que isso acabou gerando uma dualidade entre a vida pessoal e profissional, pois na empresa precisava da armadura da mulher guerreira e acabava tendo problemas nos relacionamentos por repetir esse comportamento, quando, na verdade, precisava encontrar o seu feminino. Características que acabava abafando na sua carreira para poder ter sucesso.
Também apontou o julgamento social quando diz que optou por não ser mãe. A reação das pessoas é achar que a mulher tem algum problema.
Ao abordarmos os aspectos relacionadas as suas principais conquistas e realizações, foi muito interessante perceber as semelhanças e singularidades de cada uma, afinal nós mulheres queremos e buscamos coisas muito diferentes e, também, diferente daquilo que se espera de nós.
Para Claudia foi o resgate da autenticidade, pois pode encontrar seu espaço como pessoa e profissional. Abrir mão de não se sujeitar aos rótulos e julgamentos. A carreira, tendo em vista ser poucas mulheres nessa área. Se orgulha da sua trajetória especialmente porque no início da carreira foram tantos julgamentos e rótulos que não conseguia enxergar que poderia chegar até onde chegou hoje, numa posição de gerente sênior numa empresa global, tendo o destaque que têm.
Já para Paula sua maior conquista foi, sem dúvidas, o filho, pois ama ser mãe e ser a pessoa que se tornou depois da chegada dele.
Para elas ser mulher é trazer a leveza para o mundo, compreender que temos características complementares aos homens e não é sobre um processo de rivalidade homens x mulheres. Enxergam que as mulheres tem a habilidade de escuta, leveza e paciência. É tentar trazer isso para a sociedade em prol de melhorar o mundo e as relações humanas. A habilidade de navegar entre diversas perpectivas e diferentes pontos de vista. É uma dádiva, a dádiva de ter carinho, amor e sensibilidade, poder abraçar e acolher o outro.
Ao responder a pergunta, o que se espera de você enquanto mulher?, Paula compreende que tem uma mensagem para passar, busca encorajar e incentivar outras mulheres. Hoje ela recebe convites para falar e busca compartilhar as suas imperfeições e vulnerabilidade, abordando também sobre o papel da mulher e como ajudamos umas as outras.
Como está numa outra posição em sua carreira que lhe permite trabalhar com vestido florido, faz questão de se vestir assim inclusive para ser exemplo para outras mulheres e enaltecer seu feminino porque sabe que isso não vai diminuir seu conhecimento técnico. Claudia pensa que temos um papel nesse mundo caótico de ponderar e refletir, trazer luz a essas reflexões e, com isso, tentar chegar numa sociedade mais igualitária, justa, humana.
Diz que queremos tanto ganhar espaço no mercado de trabalho que trazemos mais características masculinas do que femininas, mas não podemos esquecer das nossas características e traze-las sim para esse processo de reflexão e melhoria das relações em geral. Temos espaço para conquistar ainda, mas não podemos esquecer da nossa essência.
Ser mulher pode envolver uma variedade de experiências, por isso é muito importante reconhecer que não há uma única definição ou experiência universal de ser mulher, a vivência e experiência de ser mulher é única para cada uma.
E como diria Claudia, a gente não quer mais ser apenas convidada para a festa, queremos abrir a pista de dança.