Coluna
Diário de Sentido

por Luiz Guedes

O estereótipo do “Negro Mágico” na cultura pop

Aproveitando o fio condutor abordado pela Revista Propósito, é relevante discutirmos um dos estereótipos mais recorrentes na ficção: o “Negro Mágico”. Esse conceito, amplamente difundido na cultura pop, se refere, em termos gerais, à representação de personagens negros que possuem algum elemento mágico, exótico ou habilidades extraordinárias que os destacam dos demais. A princípio, pode parecer uma tentativa de atribuir importância aos personagens negros na narrativa, mas a análise mais profunda revela que essa abordagem carece de representatividade e autenticidade, pois esses personagens são sempre relegados a papéis secundários.

 

O “Negro Mágico” jamais é retratado como protagonista de sua própria história. Em vez disso, ele serve como um suporte para o desenvolvimento de um protagonista branco. Essa dinâmica coloca o personagem negro em uma posição subalterna, em que suas próprias necessidades, desejos e personalidade são negligenciados em prol do crescimento do protagonista branco. Portanto, ele é visto como um acessório para exaltar as virtudes do personagem branco, nunca como alguém que lidera sequer a própria história.

 

Além disso, o conceito do “Negro Mágico” está associado a um misticismo que reforça uma visão eurocêntrica, sugerindo que pessoas negras são peculiares em um sentido pejorativo, capazes de enxergar o que os brancos não veem devido a uma suposta conexão com o misticismo e a selvageria, sendo menos “civilizados”. Isso desconsidera as experiências únicas e as questões profundas enfrentadas por pessoas negras, substituindo-as por estereótipos simplificados. Quando relacionamos a ideia de busca por sentidos na vida à representação do “Negro Mágico”, a situação se torna ainda mais alarmante.

 

A Logoterapia, que considera o sentido como algo que se manifesta na relação com algo ou alguém fora de si mesmo – a autotranscendência – , parte da premissa de que o indivíduo possui liberdade, responsabilidade e consciência. O “Negro Mágico”, no entanto, é desprovido desses atributos. Ele age unicamente para servir aos outros personagens, sem desejos, vontades ou intencionalidade. Sua participação na trama se limita a uma servidão quase completa, e sua capacidade de encontrar sentido pessoal ou exercer sua liberdade responsável é sistematicamente anulada. Ele é reduzido a uma ferramenta descartável, em vez de ser um personagem pleno em si mesmo.

 

Embora o “Negro Mágico” desempenhe um papel fundamental na história em que está inserido, ele permanece como uma escada para o protagonista, reforçando a submissão dos personagens negros e perpetuando a falsa ideia de que não há racismo, já que existe um personagem negro carismático e crucial que é, no entanto, desprovido de individualidade. No fim das contas, essa representação é uma manifestação de racismo, e deve ser combatida em favor de uma representatividade genuína, que permita que cada personagem desenvolva sua própria identidade e subjetividade. A verdadeira magia estará sempre em explorar a complexidade da identidade e da consciência em busca de seus próprios sentidos.

Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestrando da UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido

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