Quando criança, Ana aprendeu que o amor morava no silêncio.
Seus pais brigavam com frequência – discussões que começavam com palavras duras e terminavam em portas batendo. Nos dias seguintes, o silêncio tomava conta da casa. O pai saía cedo e voltava tarde, a mãe preparava o jantar sem trocar muitas palavras. Ninguém explicava nada, ninguém pedia desculpas. Era como se o amor fosse um jogo de resistência, onde quem cedesse primeiro perdia.
Ainda assim, Ana cresceu acreditando que aquele era o jeito normal de se relacionar. Afinal,todos ao seu redor pareciam viver histórias parecidas. As vizinhas confidenciavam sobre maridos ausentes, as tias diziam que “homem é assim mesmo”,e os poucos casais felizes que via pareciam exceções raras.
Quando adulta, repetiu o que aprendeu. Escolheu parceiros que a faziam sentir aquele mesmo frio na barriga que um dia confundiu com amor – instabilidade, tensão, medo de pisar em falso. Quando algo dava errado, fazia o que viu os pais fazerem: evitava o conflito, se calava, esperava passar. Até que, um dia, depois de mais um término doloroso, ouviu de uma amiga: “Ana, você já pensou que talvez o amor possa ser diferente?”
Essa pergunta ficou ecoando em sua mente. Se o amor pudesse ser diferente, por que ela nunca tinha visto isso de perto? Decidiu, então, buscar novas referências. Começou a passar mais tempo com amigos que tinham relacionamentos saudáveis, leu livros sobre comunicação, começou a terapia. Pela primeira vez, percebeu que o amor não precisava ser um campo de batalha – podia ser um refúgio.
E foi aí que entendeu algo essencial: nossos relacionamentos não nascem apenas das nossas experiências individuais, mas também das histórias que nos cercam. Se crescemos vendo relações frágeis, é natural que acreditemos que o amor seja assim. Mas a boa notícia é que podemos escolher novas influências, novos exemplos, uma nova comunidade para aprender a amar de forma mais saudável.
Existe um provérbio africano que diz: “É preciso uma aldeia para criar uma criança.” Mas talvez devêssemos ampliar essa ideia: é preciso uma aldeia para sustentar um relacionamento. Nenhuma relação cresce no isolamento. Querendo ou não, somos influenciados pelas histórias que ouvimos, pelos exemplos que seguimos e pelo ambiente em que estamos inseridos.
Se crescemos em um ambiente onde o amor era escasso ou distorcido, podemos nos sentir condenados a repetir os mesmos erros. Mas não estamos. A chave está em escolher conscientemente a “aldeia” que nos cerca – amigos que valorizam o respeito e a autenticidade, espaços que incentivam o diálogo, exemplos que nos fazem acreditar que o amor pode ser bom.
Além disso, um casal não existe apenas para si mesmo. Relações mais profundas e duradouras costumam se sustentar em um propósito maior. Quando os parceiros compartilham valores ese envolvem em algo significativo juntos – seja um projeto, um
voluntariado, um grupo de apoio ou qualquer outra forma de contribuição – encontram um senso de pertencimento que fortalece ainda mais os laços do amor.
Então, se você sente que sua relação precisa de mais suporte, pergunte-se: que tipo de comunidade estamos construindo ao nosso redor? Quem são as pessoas que influenciam nosso amor? Estamos cercados de exemplos que nos inspiram ou que nos limitam?
O amor não precisa ser solitário. Ele precisa de uma aldeia. E a boa notícia é que sempre podemos escolher fazer parte de uma melhor.
Camila Moyano é psicóloga clínica, logoterapeuta, atende adultos e casais. Pós-graduanda em Logoterapia e Saúde da Família. Natural de São Paulo capital, gosta de boas leituras, cafés e viagens, Cria conteúdo na internet sobre relacionamentos saudáveis, comunicação autêntica e estilo de vida sempre com a intenção de simplificar e tornar a psicoeducação possível. @acamilamoyano