Fé é um conceito complexo que, apesar de geralmente associado à religiosidade, vai muito além dela. No entanto, a ideia de “ter fé em si mesmo” soa um tanto ilusória. Fé, no seu sentido mais puro, está ligada a algo que transcende o indivíduo, algo fora de si. Quando alguém diz que tem fé em si, está, na verdade, abdicando de uma análise mais honesta sobre suas próprias limitações e responsabilidades. Não existe fé em si. O que existe é a responsabilidade de lidar com a vida e suas demandas de maneira consciente. Acreditar em si não é um ato de fé, mas de maturidade, um processo que passa por conhecer e aceitar o que se pode e o que não se pode fazer.
A fé verdadeira, é aquela que se direciona para além do nosso controle, algo que não pode ser medido ou controlado. Ela existe quando confiamos em algo maior do que nós, seja uma ideia, um projeto de vida, uma missão. Acreditar em si não é fé, é, no máximo, reconhecer as ferramentas que temos para enfrentar os desafios da vida. É entender que somos capazes de fazer muitas coisas, mas não todas, e que viver implica saber trabalhar dentro dos nossos limites. Essa é a grande diferença entre confiança e fé: a confiança em si vem do amadurecimento, da capacidade de entender as próprias potencialidades e limitações, enquanto a fé é a entrega ao desconhecido, àquilo que não controlamos. Acreditar em si mesmo não exige transcendência, exige honestidade.
É reconhecer que, como humanos, somos limitados em muitos aspectos, mas que temos também a capacidade de nos adaptar, de crescer, de resolver problemas com o que está ao nosso alcance. Isso não tem nada a ver com fé, mas sim com responsabilidade. Ter fé, por outro lado, é confiar no que está fora do nosso controle, em algo maior que nós mesmos. E essa fé pode existir completamente dissociada de qualquer religião. Fé não é, necessariamente, acreditar em um deus ou seguir uma doutrina. Pode ser confiar no futuro, nas pessoas que amamos, ou até em um princípio de justiça. Você não precisa de organizações e estruturas para ter fé em alguma coisa.
Portanto, a fé, de fato, só existe quando a direcionamos para algo que está além de nós. Acreditar em si mesmo é maturidade, é a coragem de lidar com a realidade tal como ela é, de encarar os desafios com as ferramentas que temos. Não se trata de uma confiança cega numa força interna, mas de entender claramente nossas responsabilidades e agir de acordo com elas. Fé é outra coisa. É o que nos dá coragem para seguir adiante mesmo quando o caminho é incerto, quando o resultado está fora do nosso controle. E nesse sentido, a fé pode ser uma forma de lidar com o desconhecido, sem que isso precise ser ligado à religião ou à crença em divindades.
Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestrando da UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido