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Em busca de uma sociedade antirracista

Lorena Bandeira 

“Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista”. A frase da filósofa Angela Davis ecoa a necessidade de uma sociedade antirracista, mas diante de um racismo estrutural, seria isso uma utopia? Conversamos com a psicóloga e educadora social Monique Machado sobre a importância de uma sociedade antirracista e os desafios para seu desenvolvimento

 

A importância de uma sociedade antirracista

Em maio de 2020, em Mineápolis (EUA), George Floyd, um homem negro, foi morto por um policial branco, Derek Chauvin, por suspeita do uso de nota falsificada para uma compra. Ele foi sufocado por 9 minutos e sua morte foi filmada. A morte culminou numa série de protestos mobilizados pelo movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam), que teve sua origem em 2013.

Desde 2021, o jogador brasileiro de futebol Vinicius Jr tem denunciado casos de racismo praticado por torcedores europeus. O jogador do Real Madrid sempre emite declarações se posicionando sobre os casos e cobrando medidas efetivas de punição aos criminosos. Desde 2009, a rede de supermercados Carrefour tem sido alvo de denúncias por comportamento racista. Dentre os casos mais recentes, um homem negro foi espancado num banheiro do supermercado em São Bernardo do Campo por abrir uma lata de cerveja dentro do estabelecimento e, em 2020, um homem negro foi espancado até a morte numa unidade de Porto Alegre. Em todos os casos acima, o posicionamento dos envolvidos é alegar que o episódio foi isolado. E não reconhecer que esses episódios recorrentes não são isolados representam um grande entrave para avançar no desenvolvimento de uma sociedade antirracista.

 

Monique aponta que é “preciso assumir uma posição contrária ao racismo, promovendo ações concretas que resultem em mudanças estruturais em nossa sociedade, por esse motivo a implementação de uma educação social antirracista é extremamente necessária.”

De acordo com a psicóloga e educadora social, a promoção do antirracismo deve ser um compromisso que precisa envolver esforço social, uma vez que “vivemos numa sociedade que tem enraizada culturalmente o racismo estrutural, ele é tão difundido que acaba gerando atitudes preconceituosas que são perpetuadas e, em muitos casos, acabam passando despercebidas.”

 

Desafios para o desenvolvimento de uma sociedade antirracista

Monique aponta que é necessária a construção de um debate que promova discussões e diálogos abertos sobre pautas raciais e o reconhecimento de que o preconceito racial existe e que é prejudicial para a sociedade, trazendo, também, pessoas não negras para responsabilidade, questionando seus silenciamentos, comportamentos de omissão e a falta de interesse pela pauta.

A psicóloga aponta que, muitas vezes, as pessoas atribuem que é responsabilidade das pessoas negras educar as demais sobre o racismo, ou que apenas elas devem se preocupar com pautas raciais e diz que “É justamente que esse tipo de pensamento colonizador acaba colocando pessoas pretas em uma posição de invisibilidade, assim mantendo o mecanismo negativo das estruturas das relações sociais.” Monique reconhece a importância do protagonismo e diz que “todas as vitórias conquistadas para o enfrentamento do racismo aconteceram a partir do movimento negro, por isso é importante que pessoas negras estejam obtendo protagonismo nos debates trazendo a visão de perspectivas raciais, não apenas com narrativas históricas de dor ou sofrimento, mas também para visibilizar o legado de resistência das comunidades negra e suas potencialidades.”

Na sua experiência pessoal e profissional, Monique nos diz que participou de projetos sociais e organizou eventos que debatiam a temática racial, mas foi na Psicologia que reconheceu uma ferramenta a ser utilizada para o combate ao racismo.

Monique Machado

“todas as vitórias conquistadas para o enfrentamento do racismo aconteceram a partir do movimento negro, por isso é importante que pessoas negras estejam obtendo protagonismo nos debates trazendo a visão de perspectivas raciais, não apenas com narrativas históricas de dor ou sofrimento, mas também para visibilizar o legado de resistência das comunidades negra e suas potencialidades.”

Nesse processo, se deparou com mais um desafio: perceber que as atuações na Psicologia “foram pensadas e direcionadas para atender a população branca, comprometendo o processo terapêutico, assim negligenciando a vida de pessoas negras. São frequentes os casos de angústia, ansiedade, depressão entre as pessoas negras que normalmente não são associados a uma ideia de cuidado, devido a uma falsa suposição, criada ainda no período escravocrata, de que negros são capazes de suportar as mais diversas situações de dor e sofrimento.”

 

Uma sociedade antirracista possível

Dentre os desafios já apontados, Monique também destaca a necessidade de compreensão e influência das nossas raízes históricas no comportamento social. “O discurso “eu não sou racista ” porque tenho amigos negros, permite com que as pessoas evitem participar das pautas raciais, assim isentando – os de estar dentro do debate. Outro ponto importante para reflexão é a forma de como as pessoas têm tratado a necessidade da discussão do racismo, ainda se tem a percepção de que realizar comentários racistas é uma forma de liberdade de expressão, a partir desse pensamento as diversas formas de violências direcionadas aos corpos negros permanecem ocorrendo, assim, impedindo de uma forma real a implementação de uma educação antirracistas.” 

Assim, é possível ver que o desenvolvimento de uma sociedade não se trata de uma utopia, mas um compromisso social que envolve a todos. E mesmo que fosse uma utopia, poderíamos ficar com as palavras de Galeano, citando Fernando Birri, diz: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”