Coluna
Diário de Sentido

por Luiz Guedes

Descansar para que(m)?

O descanso é um fator fundamental quando consideramos questões físicas, cognitivas, sociais e psicológicas. Através dele, conseguimos manter estáveis aspectos como memórias, disposição (física ou emocional) e até mesmo a capacidade de acessar nosso potencial nas relações interpessoais. Sem descanso, a sensação é de carregar uma âncora presa ao pé, onde podemos realizar algumas tarefas, mas sempre de forma menos eficiente do que poderíamos. Na sociedade contemporânea, é interessante analisar a visão que o ser humano tem sobre o descanso. Há uma crença difundida de que precisamos constantemente produzir algo, e que o descanso é uma “perda de tempo”. Enquanto descansamos, outros estão produzindo e se destacando mais do que nós. O descanso é visto como um privilégio de poucos, e a ideia de que ele não deve ser parte da rotina da pessoa comum é fomentada por esses poucos.

 

Aquela velha máxima de que quem possui algo acredita que tal coisa não é importante se aplica aqui: aqueles que podem descansar em seu privilégio veem os outros que buscam descanso como preguiçosos. Nada de novo em um sistema que desumaniza e joga o ser humano em um moedor de gente. O descanso é carregado de culpa na medida em que a aceleração da produção diminui o tempo para reflexão. Sem tempo para refletir sobre o constante empreendedorismo de si mesmo, como diz Byung- Chul Han, não é possível entender para que serve o descanso. Ele é socialmente colocado no imaginário do trabalhador como uma recompensa inatingível: quando se produzir o suficiente, aí sim, pode-se descansar.

 

O problema desse raciocínio é que, no sistema em que vivemos, a produção nunca será suficiente e o descanso nunca será merecido. “Mas Luiz, então o que podemos fazer?” Eu diria que precisamos organizar uma revolução proletária, mas não vou tão longe neste texto. Em vez disso, podemos considerar uma alternativa mais palpável neste momento sócio-histórico: é necessária uma mudança de paradigma para construir o descanso como cultura. O descanso não pode continuar a ser visto como uma recompensa; ele deve ser reconhecido pelo que é: um direito necessário.

 

Não apenas para recarregar as energias e seguir produzindo desenfreadamente, mas um descanso para lazer, para sorrir, para dançar e para refletir sobre quem somos, por que somos e para que somos.

O descanso, em uma visão logovivente, deve ser entendido não apenas como uma pausa na produção, mas como um momento essencial para refletir sobre o sentido de nossas ações e de nossa existência. O descanso nos permite conectar com nossos valores mais profundos e nos dá a oportunidade de vivenciar os fenômenos e experiências da vida, em vez de apenas sobreviver à incessante demanda por produtividade.

 

A quem interessa a ideia de que o descanso é um prêmio inatingível. O descanso serve para que(m)?”

Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestrando da UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido

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