Ainda é possível falar sobre o impacto do trabalho na comunidade quando tanta gente quer deixá-lo de lado? Quando, de um lado, vemos a ânsia pelo dinheiro fácil, impulsionada pela escassez social, pela pressa em sair da sobrevivência — e, de outro, aqueles que já têm condições financeiras tratam o trabalho apenas como um meio de acúmulo, esvaziado de propósito?
Por muito tempo, o trabalho foi visto como um eixo estruturante da vida. Hoje, porém, ele enfrenta uma crise de significado. Para alguns, tornou-se um fardo a ser carregado até que se possa descartá-lo. Para outros, um jogo de ganhos individuais, onde a única métrica de sucesso é a rentabilidade. Mas, por trás dessas visões, o que se perde é justamente o que faz do trabalho algo humano: sua capacidade de construir relações, gerar impacto e fortalecer comunidades.
O trabalho de um realiza o sonho do outro. Uma pesquisa bem conduzida traz soluções para milhares. O cuidado atento de um profissional de saúde oferece alívio num momento difícil. A dedicação de um professor reverbera em gerações. Trabalhar não é apenas garantir o próprio sustento, é participar da vida do outro, de formas que nem sempre percebemos.
E se o impacto do trabalho na sociedade é inegável, o impacto da comunidade sobre o nosso bem-estar também é.
Estar inserido em um ambiente de trabalho significativo, onde há trocas genuínas, valores compartilhados e relações que nos fortalecem — não é um detalhe, mas um pilar da saúde mental. Um profissional pode até suportar longas jornadas e desafios complexos, mas dificilmente suporta a sensação de estar isolado, sem um espaço de pertencimento e reconhecimento mútuo.
Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que não apenas recebemos essa comunidade, nós a construímos. A maneira como nos conectamos, como tratamos os outros, como escolhemos nos posicionar influencia o ambiente ao nosso redor. Nossas ações não apenas nos definem, mas também definem a qualidade da rede da qual fazemos parte.
No fim, talvez essa seja a grande questão: ao olhar para o próprio trabalho, enxergamos apenas um esforço individual ou conseguimos perceber a trama maior da qual fazemos parte? O que entregamos ao mundo e a forma como nos relacionamos no trabalho não são apenas sobre o agora, mas sobre o que ajudamos a construir. E, na construção de qualquer comunidade, a escolha de participar com presença, ética e propósito sempre será mais determinante do que as circunstâncias que nos cercam.
Flávia Costa é psicóloga clínica, logoterapeuta em formação e mentora de carreiras. Natural do Rio de Janeiro, tem como missão disseminar a aplicabilidade da Psicologia no dia a dia. @flaviacpsi