Coluna
Diário do Sentido

por Luiz Guedes

Comunidade e a descoberta de sentido na construção coletiva do mundo

A vida humana acontece em rede. Desde os primeiros agrupamentos, existimos num entrelaçamento constante com o mundo e esse entrelaçamento nos influencia fortemente. A comunidade que habitamos não começa nem termina nos laços íntimos. Ela se estende para o entorno social, perpassa ruas, políticas, afetos e modos de estar. As escolhas e ações de cada um são fluem por esse ambiente coletivo, assim como ele se reorganiza diante do que fazemos com o tempo e as possibilidades que temos. O sentido se revela nos vínculos que criamos e na forma como nos implicamos com a realidade. A constituição do ser humano acontece nesse emaranhado de trocas e participações. Comunidade não é cenário, é matéria viva.

Esse pertencimento não se resume a abrigo. Comunidade é espaço de descobertas, movimento contínuo, campo de encontros, rupturas e refazimentos. A vida se aprofunda quando a gente se reconhece como alguém que responde ao mundo. Cada pessoa carrega em si uma pluralidade que se manifesta nos gestos mais cotidianos. Os compromissos que sustentamos participam daquilo que somos. O modo como convivemos, os afetos que sustentamos e as escolhas que fazemos revelam com quais vínculos estamos dispostos a nos implicar. Os vínculos que cultivamos e os compromissos que assumimos ao longo da vida não são acessórios, são aspectos fundamentais da existência humana. A diferenciação entre quem somos e quem é o outro também exige cuidado com as especificidades de cada vivência.

Comunidade é construção diária. Não acontece num lugar abstrato, nem depende de ideias puras. Acontece nas disputas, nos desacordos, nos afetos e nos pequenos consensos que tornam possível alguma convivência. É diretamente influenciada por estruturas que tornam viáveis nossas histórias e que também são constituídas por nós. A consciência crítica não nasce apenas de uma teoria. Ela se forma quando nos damos conta de que as estruturas que sustentam a realidade não funcionam sozinhas. Existe participação, mesmo no silêncio.

O modo como a comunidade se organiza abre caminhos e também impõe barreiras. Ainda assim, há sempre espaço para escolhas. Participar ativamente do mundo que se habita não depende de heroísmo, mas de atenção. Cada gesto reverbera. Cada escolha forma parcialmente a paisagem à nossa volta. E mesmo nos gestos pequenos há potência de transformação. O bem-estar coletivo passa pelas decisões individuais. Estar consciente disso é responsabilidade, e responsabilidade também é forma de cuidado.

O que cultivamos entre nós não acontece sem esforço. Ninguém vive só com o próprio umbigo. Convivência pede reconhecimento do outro, de suas necessidades e formas de estar no mundo. Umbigos são muitos, cada qual com suas dores, forças e limites. A complexidade disso não cabe em soluções rápidas. Mas é nessa complexidade que o sentido pode surgir. O sentido aparece nas relações, nas escolhas, nos gestos que criam espaços de vida compartilhada. Ele não mora na ideia de que tudo precisa ter um porquê absoluto, mas naquilo que ganhamos quando nos permitimos estar com os outros, mesmo sem garantias. E talvez, viver em comunidade seja, antes de qualquer coisa, aceitar que essa partilha imperfeita é também o que no torna inteiros.

O questionamento que fica é: Você vive em comunidade com suas construções e desconfortos concretos que possibilitam crescimento ou está tentando viver em um reino sem crítica onde tua potência é a única que deve ter espaço?

Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestre em Psicologia e Saúde pela UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido

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