Coluna
Diário de Sentido

por Luiz Guedes

Carta aberta contra o “sentido” bunda mole

Infelizmente muitos que se dizem logoterapeutas exibem uma incapacidade quase patológica em atentar para contextos, na ânsia de dizer que o ser humano é capaz de quase tudo, acabam por esquecer que somos duramente influenciados pelas condições que a vida – e o sistema vigente – impõe a grande maioria de nós, uns mais e outros menos. Pensando na logoterapia como uma visão de ser humano INTEGRAL e não apenas noética, devemos também observar o impacto material do mundo na capacidade de despertar sentidos e como a nossa relação com o mundo influencia de forma direta essa capacidade. Eu sei que parece absurdo para algumas pessoas, mas convido a embarcar em uma abordagem marxista de ver a logoterapia, bora?

 

A busca por sentido é uma jornada individual, mas o indivíduo não é uma abstração flutuante no universo; ele é um ser social e material, concreto no ambiente em que vive, um ambiente moldado pelo sistema dominante, pautado no capital. Toda a nossa existência é direcionada para uma alienação de quem somos e do que nos constitui como seres humanos. Desde antes de nos reconhecermos como seres pensantes, somos alienados de nosso ser.

 

A alienação, essa sensação de desconexão que o bom velhinho barbudo de vermelho – não disse qual – sempre falava, não podemos ver então a busca humana por sentido como uma revolução contra a alienação e despersonalização dos sujeitos? A busca por sentido é individual, mas não exclusivamente; está intrinsecamente ligada à interconexão de todas as coisas. Romper a alienação de si mesmo implica, também, em romper a alienação do espaço de interação entre o interno e o externo.

 

“Mas Luiz, Frankl falava contra as massas!” – Primeiramente, isso parece originar-se de uma interpretação desprovida de senso crítico e contrária à ideia de construir constantemente a logoterapia, não apenas repetir o que Frankl dizia.

Além disso, ele enfatizava a interação com o mundo como uma forma de encontrar sentido, afetando o mundo por meio de valores criativos e sendo afetado por ele por meio de valores vivenciais.

 

Como afetamos e somos afetados se apenas o nosso próprio umbigo importa? Se a injustiça não nos revolta? A logoterapia clama por crítica – e autocrítica –, incluindo a observação de nós mesmos, do ambiente em que estamos e da interação desse ambiente conosco. Qual é a visão de mundo antes da construção da visão de mundo?

 

Me voltar para o lado de fora não é apenas dar as mãos, cantar em volta da fogueira e muito menos esquecer de mim mesmo. Me voltar para o lado de fora é ser combativo com as absurdas condições de vida de tantos seres humanos no mundo, que todos os dias têm sua liberdade de escolha e afinação de consciência alienadas por um moedor de carne que muita gente sequer acha que pode questionar.

 

Em suma: Logoterapia não é apenas sobre encontrar a si mesmo, mas também sobre lutar juntos para uma sociedade onde todos possam buscar seus sentidos de forma justa. A logoterapia anda muito presa em um quadradinho que não pode questionar “verdades universais” e eu entendo o medo, mas já está na hora de pensar um pouco. Não precisa ser igual a mim, só pensar já está bom. Bora?

Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestre em Psicologia e Saúde pela UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido

Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião da Revista Propósito