Marcela Bento
Viver e sobreviver é um movimento natural do ser humano mesmo na pior situação da vida. Então o que acontece para uma pessoa cogitar ou até mesmo tirar a própria vida? Esse questionamento me acompanhou por um bom tempo, o sofrimento em si fala muito comigo o que me conduziu a fazer Psicologia ter ferramentas para aliviar o sofrimento dos outros. Meu primeiro contato com o suicídio foi no início da adolescência. Soube que no meu bairro, próximo à minha casa, um jovem teria tirado a sua vida, foi uma comoção. Lembro de ter ido na rua dele na curiosidade juvenil e foi extremamente impactante. Ficava pensando “como assim, tão jovem, o que aconteceu?” Encontrei na Logoterapia respostas ao sofrimento, mas eu queria mais e me especializei em prevenção do suicídio.
O suicídio é uma questão de saúde pública, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estando desde sempre presente na sociedade. Ainda assim, falar sobre autoextermínio é um tabu, mas precisamos abordar esse tema, pois quanto mais informações as pessoas têm sobre assunto menor a probabilidade de ocorrer.
Suicídio é um comportamento humano
Quando se trata do comportamento suicida, vemos que é parte do universo humano, apesar de compartilharmos com os animais os aspectos cognitivos, emocionais. Não acredito que no mundo animal haja a capacidade de reflexão, liberdade, intencionalidade, atitude, bem como a capacidade de tomada de decisão; condições que podem favorecer ou desfavorecer ao ato de suicídio.
NO MUNDO ANIMAL não há capacidade de reflexão, liberdade, intencionalidade, atitude, bem como a capacidade de tomada de decisão condições que podem favorecer ou desfavorecer ao ato de suicídio.
Os atributos que não compartilhamos com os animais anteriormente citados estão na dimensão espiritual/noética, dimensão esta que é estritamente humana. O comportamento suicida é multifatorial, porém algumas condições apontam maior probabilidade de o suicídio acontecer tais como: transtornos mentais, alcoolismo, estresse agudo, grupos minoritários como LGBTQIAPN+, negros e indígenas; fase de vida, perdas, frustações, perfeccionismo. Segundo o psiquiatra Harewton Bicalho “as pessoas que têm ideação e/ou tentativas suicidas e as que conseguem se suicidar têm, em sua imensa maioria, pelo menos uma comorbidade psiquiátrica”, ou seja, mais de um transtorno mental. Estudos mostram uma desesperança, rigidez cognitiva, a partir de um pensamento dicotômico de tudo ou nada, onde há dificuldade de flexibilizar o pensamento e consequentemente buscar formas adaptativas intermediárias de resolução dos problemas.
É comum também percebermos uma característica de impulsividade, onde a tomada de decisão para ações suicidas ocorre em momentos de forte emoção, não passando por uma elaboração racional. Já nos usuários de álcool e drogas, observamos esses atos, na maioria das vezes, sob efeito dessas substâncias, o que afeta por completo a capacidade de discernimento, afirma Harewton, psiquiatra.
O suicídio no Brasil
No Brasil o suicídio ocupa a terceira posição nas principais causas de morte, ficando atrás de homicídios e acidentes de trânsito. Quando verificado com o psiquiatra Harewton quais são os principais fatores que contribuem para o aumento dos casos de suicídio em nossa sociedade atual com base em sua experiência, o profissional percebe que vivemos num mundo onde as coisas acontecem de forma muito rápida e cada contexto tem suas variantes.
“Na minha experiência, me chama atenção, o quanto as pessoas estão carentes afetivamente, se sentindo solitárias. Apesar de inúmeros contatos nas redes sociais, a convivência é restrita e o individualismo é a regra. Além disso, observo um laço frágil com a vida e a falta de um propósito. Especialmente nos mais jovens, noto uma imaturidade emocional, com um limiar baixíssimo a frustrações e uma tendência a problematizar situações do cotidiano. Isso me sugere uma geração de pais que têm exagerado em suprir as demandas dos filhos, criando-os numa “bolha”, de uma vida sem dificuldades. Outros fatores como a desigualdade social, falta de oportunidades, dificuldades financeiras, desemprego, uso de álcool e drogas também são tradicionalmente motivos do aumento das taxas de suicídio no Brasil”, comenta Harewton.
Mídias sociais e o suícidio
Maiara da Mata, jornalista, complementa que atualmente a mídia exerce papel principal no cotidiano de toda a sociedade. O ser humano vem sendo formado pelo que consome na internet, principalmente nas redes sociais, por isso torna-se cada vez mais importante nos atentarmos a responsabilidade que temos ao divulgar qualquer tipo de informação. Vivemos na era do “Viralizar”, basta um vídeo de uma vida perfeita, na qual tudo parece dar certo e acontecer no tempo ideal, para que alguém com uma vida em outro ritmo se compare e entre em crise. Em tempos de fake news e manipulação das informações, infelizmente estamos cada vez mais suscetíveis a violência e desinformação. Poderia passar horas listando tipos de informações que são gatilhos para muitas pessoas.
Basicamente tudo que é veiculado nas mídias exerce algum papel de influência na vida de alguém, nas nossas escolhas e convivência em sociedade. “Acredito que um caminho possível seja se aprofundar na melhor forma de abordar o assunto na hora de divulgá-lo, respeitando a vítima, sua família e história de vida.” Ser responsável ao compartilhar algo sobre o ocorrido inclusive pode ajudar pessoas a descobrir formas de buscar ajuda ou até mesmo de oferecer ajuda a quem precisa, informa Maiara. Familiares e o comportamento suicida No que tange aos familiares, será que podem ser indiciados por negligência em caso de suicídio? O advogado Otávio D´Elia afirma que de modo geral não, pois o suicídio é a supressão direta e voluntária da própria vida a não ser que o familiar incitou, induziu ou ajudou segundo o art. 122.
Maiara reforça o respeito e o cuidado ao citar casos de suicídios nas mídias e como esses meios podem auxiliar na prevenção do suicídio. Tanto em meios oficiais de notícias como uma postagem de algum conhecido que tirou a própria vida deve se atentar ao “efeito contágio”, não publicar cartas e como aconteceu para que outros casos não venham à tona por influência. Além de estarmos conscientes de que nem tudo deve ser publicado ou divulgado.
Em casos de endividamento e falência, Otávio esclarece que o suicídio não é a solução dos problemas financeiros considerando apólice de seguro ou abatimento da dívida, podendo até causar mais problema aos familiares. Uma das maneiras de solucionar problemas, questionamentos existenciais, se não conseguir sozinho(a), é através do acompanhamento psicológico, o que era de grande resistência anos atrás, hoje já temos uma aceitação positiva a esse tipo de cuidado que transforma vidas.
Mas e se a pessoa não quiser receber cuidados de profissionais da área da saúde mental? Caso a família e a equipe de saúde considerem que a pessoa corre risco de vida iminente, a legislação brasileira prevê a internação involuntária, como uma medida protetiva, para que a integridade física seja garantida. Na saúde pública, habitualmente recorremos ao Ministério Público para utilizar essa estratégia.
Procedimentos profissionais diante do comportamento suicida
Hoje temos muitas opções de tratamento, sendo a mais usada a associação de medicamentos com psicoterapia. Um medicamento que vale a pena ser citado é a esketamina, um anestésico amplamente usado que demonstrou um efeito antidepressivo potente e rápido, especialmente nos pacientes com risco elevado de suicídio. Tal medicamento é feito em ambiente hospitalar e supervisionado por médicos, podendo reduzir o risco em poucas horas, explica o psiquiatra Harewton Bicalho. “Quanto a uma estratégia que eu considero particularmente importante, vou falar da minha experiência clínica: ainda não vi nenhum antidepressivo mais poderoso do que a sensação de utilidade e nada que alimente mais a nossa alma do que o afeto. Creio que trabalhar estes dois pilares seja fundamental”, explica Bicalho.
Atitudes que fortalecem a vontade de viver
Pensar em atitudes que fortalecem a vontade de viver é encontrar motivos para viver. Na mente da pessoa que pensa em suicídio há uma ambiguidade entre querer viver e dar um fim a sua dor com a morte. Entender que as crises são momentâneas, podem ser atravessadas e superadas sem uma medida drástica e por meio de tratamentos psicológicos é essencial. No nosso trabalho personalizado em consultório, hospital, caminhamos junto com a pessoa no descobrimento do que dá sentido à sua existência. No entanto, a seguir proponho uma pavimentação para você continuar aí nessa jornada de fortalecer a vontade de viver ou até mesmo para começar a dar os seus primeiros passos nesse sentido.
1. Responder a pergunta pra que estou aqui? Elenque pelos menos 3 razões para viver
2. Se não conseguiu responder a pergunta anterior. Você tem uma missão. Encontrar sentido para sua existência: continue até se responder essa pergunta
3. Descobrir habilidades, talentos e como oferecer isso ao mundo
4. Encarar desconfortos: o sofrimento é inevitável
5. Fazer o que deve ser feito. É o desconforto a ser encarado para um bem maior? É dar limites a si ou ao outro?
6. Desenvolva relações autênticas e hábitos saudáveis.
7. Autonomia: saber conviver consigo, sem dependência, ser autosuporte aprender a se cuidar. As relações podem não dar certo as pessoas vêm e vão e você fica
8. Habilidade de resolução de problemas: sequência do tópico anterior se responsabilizar e resolver suas próprias questões com calma e de forma prudente
9. Se estiver muito difícil resolver suas questões busque ajuda profissional
10. Desfrutar, investir em experiências que alimentam a alma, daquilo que a vida tem para oferecer de bom. Por exemplo: tem gente que se sente atraído para a dança outros ações sociais
11. Desafie sua capacidade de superação
12. Alimente sua fé e esperança que os piores dias passarão e que você tem capacidade de superação
13. Qual história quer escrever de agora em diante? Reforçando os tópicos acima é apenas uma ideia, aquilo que fortalecem a vontade de viver em nós, que dá sentido é muito pessoal.
Viktor Frankl cita categoricamente que a vida sempre tem sentido, ele ainda afirma que questionar o sentido da vida em algum momento não é patológico, faz parte da nossa humanidade querer uma vida significativa, que valha a pena. Mas chegar ao ponto de escolher desistir da vida compreendemos que não é um movimento natural, sinaliza que carece de cuidados com profissionais da saúde mental. Imagine você livre do seu maior problema e dor e desfrutando de tudo que há de bom na vida. Esse é meu sincero desejo a todo aquele que entrar em contato com essa matéria.
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