Matéria de capa

A lógica das vitrines é parecida com a lógica da vida

Marcela Bento 

É dezembro.

As cidades brilham. As vitrines se enchem de luzes, de ornamentos dourados, vermelho e verde. Há um clima de festa no ar e, em algumas regiões, esse brilho se torna quase uma disputa silenciosa. Árvores de Natal com mais de dois metros, enfeites caríssimos, cenários que misturam fantasia e luxo.

Em 2017, o G1 publicou uma reportagem sobre a grandiosidade das vitrines da 5ª Avenida, em Nova York. Eram verdadeiros cenários de espetáculo: dinossauros cobertos de cristais, câmeras de cinema feitas para parecer gelo, um jardim botânico psicodélico inspirado nos anos 60, bonecos artesanais contando histórias em papel machê, instrumentos musicais pulsando em néon vermelho. Tudo pensado para encantar, impressionar, atrair e vender.

O motivo para altos investimentos é o frio intenso abaixo de zero, os nova-iorquinos perceberam que precisavam muito mais do que brilho para convencer alguém a parar e contemplar uma vitrine. Essa tradição tem mais de 80 anos. Hoey, diretor responsável por criar essas composições, conta que a equipe trabalha como verdadeiros artesãos: cada detalhe é feito à mão. É arte, técnica e estratégia.

Vitrine de luxo vs vitrine sustentável

Mas essa informação das vitrine de luxo despertou uma curiosidade: e quanto às vitrines sustentáveis de Natal? Haveria matérias, referências, discussões? O que encontrei foram apenas tutoriais de faça-você-mesmo (DIY). Nada sobre vitrines de baixo custo criadas pelo varejo.

 

Nenhuma reportagem sobre alternativas acessíveis. E então, a pergunta surgiu:

Por que será que quase não se fala de vitrine modesta? Será que até mesmo pequenos empreendedores se sentem pressionados a investir além do que podem para criar algo “digno de ser visto”? Será que a estética mesmo quando dói no bolso ainda é vista como uma promessa de venda, de aceitação, de pertencimento?

Será que até pequenos empreendedores se veem obrigados a investir além do possível para criar algo “digno de ser visto”? Será que a estética mesmo quando dói no bolso ainda é vista como uma promessa de venda, de aceitação, de pertencimento?

A aparência engana às vezes para pior, às vezes para melhor.

E é isso que torna tão complexa essa relação entre beleza, valor e verdade.

Essa questão sempre me lembra de uma experiência da adolescência.

Fui com minha mãe numa loja pequena, simples comprar um conjunto de roupa e escolhi uma blusa amarela aparentemente impecável. Em casa, descobri que havia uma fita adesiva larga colada por dentro, escondendo um rasgo, a blusa tinha uma camada. Voltei à loja, explicaram o ocorrido e me ofereceram troca ou parte do valor. Eu quis o abatimento gostei da peça, e o defeito era invisível. A blusa durou anos, e ninguém jamais soube que tinha sido comprada assim.

A aparência engana às vezes para pior, às vezes para melhor.

E é isso que torna tão complexa essa relação entre beleza, valor e verdade.