A arte é, acima de tudo, uma expressão de sentido. Não importa se estamos falando de uma pintura que desafia os limites da compreensão, de uma melodia que ecoa dores e esperanças ou de palavras que se se estruturam em poesia: a criação artística não ocorre no vácuo. Ela é, essencialmente, um produto do encontro entre o sujeito, seu contexto e a inevitável interação com o mundo. Um universo em movimento que constantemente provoca, inspira e perturba. Principalmente perturba. Perturba bastante, principalmente aos que só sabem dançar com música ou ver beleza no belo.
Quando alguém coloca no mundo uma obra de arte, está, consciente ou inconscientemente, respondendo a questões que lhe inquietam de forma tão avassaladora que precisam sair do abstrato e encontrar uma morada concreta. Talvez sejam inquietações que brotam do inconsciente, ou quem sabe respostas cuidadosamente articuladas às demandas de uma sociedade que pressiona, transforma e exige. Mas, independentemente da origem, a criação está sempre impregnada de sentido. Mesmo o ato de criar algo aparentemente “sem sentido” é, paradoxalmente, um posicionamento significativo. O que é exposto no encontro do sujeito com o mundo, o que veio a ser é por si só algo que se tornou. A arte clama por sentido e ela por si já o tem. Queira o artista ou não. Arte é arte no momento que o expresso de dentro para fora encontra o fora para dentro de quem a aprecia, algum sentido foi descoberto – de desvelar – a partir dessa percepção. E as vezes o que é percebido é feio, repulsivo ou só incômodo mesmo.
A arte é um reflexo da busca humana por expressão em um mundo que, por vezes, parece inexpressivo. Cada pincelada, nota ou palavra carrega em si a marca de um sujeito que, em meio a seus dilemas, encontra na criação uma forma de existir, de resistir e de interagir com o mundo. A arte é uma forma de diálogo — um grito, um sussurro, uma troca silenciosa entre quem cria e quem recria em si ao observar. Quem consome arte também lhe atribui sentido, fazendo dela um fenômeno vivo, em constante reconstrução.
É ilusório e até simplista pensar na arte como algo que paira acima das influências do mundo. A obra nasce de um contexto: histórico, social, econômico, existencial. Sempre existencial.
Ela é atravessada pelas angústias e conquistas de seu criador, mas também pelas forças externas que influenciam o modo como esse criador vê e é visto. E talvez seja nesse entrelaçamento entre o “eu” e o “outro” que reside a beleza mais visceral da arte. O que para alguém é feio, sem sentido e sem rumo, para outro é incrível e gera uma mudança de percepção sobre a própria percepção. Assim como o sentido, a arte é única e irrepetível em cada um que cria e que a percebe.
Se a vida é uma busca incessante por sentidos que façam sentido especificamente a mim — e ela é —, a arte é uma das formas mais rebuscadas e ao mesmo tempo primitivas dessa busca e desse sentido fazer sentido. Criar é descobrir e se descobrir. É encontrar sentido em meio ao caos e compartilhá-lo, mesmo que em formas que escapem à linguagem direta. A arte tem o poder de ecoar o que sentimos, mas não conseguimos dizer, de dar forma àquilo que nos atravessa, não como um jargão bonitinho, mas como uma lança que vai de um lado a outra e deixa o sangue banhar a tela, o pincel, a parede e o teto.
Assim, a arte não é apenas uma janela para o mundo de quem a cria, é um espelho que devolve ao espectador sua própria busca por sentido, mas também um mapa que permite navegar nas percepções sobre o que o artista percebeu ou não ao criar a arte. Porque, em última análise, a arte não pertence a quem a fez, nem mesmo ao mundo que a influenciou. Ela é de quem a percebe — e a recria, sempre.
Ou então a arte pode ser somente aquela frase dita pelos adultos na nossa infância quando desobedecemos a regras criadas de formas arbitrárias – ou não – ao explorarmos o mundo. “Já tá aí fazendo arte, né?”. E todos fazemos arte nos dois sentidos.
Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestrando da UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido