Coluna
Barba, cabelo e bigode

por Ronnedy Paiva

Por dentro, desordem, mas por fora, a aparência conta outra história

A prática do autocuidado costuma ser compreendida de forma limitada pelos homens, concentrando-se principalmente no corpo e no desempenho físico, em detrimento das outras dimensões do ser humano. A musculação, os esportes, as artes marciais e até alguns procedimentos estéticos costumam ser socialmente autorizados como formas legítimas de autocuidado e de investimento em si mesmo, o que, de fato, podem ser. Mas surge a pergunta: essas práticas são realmente movidas pelo autocuidado? Estão, de fato, relacionadas à saúde?

A verdade é que, na grande maioria das vezes, o autocuidado masculino permanece restrito ao campo externo e voltado para a aparência, não para a saúde. Estudos revelam que, no Brasil, cerca de 45,8% dos homens adultos praticam algum tipo de atividade física, número significativamente superior ao índice de homens que buscam acompanhamento psicológico ou cuidados direcionados à saúde emocional e espiritual, por exemplo.

Essa ênfase no corpo e no desempenho físico não é aleatória. Ao longo da história, o corpo musculoso foi consolidado como símbolo de validação social, superioridade, desejo e poder, tornando-se uma vitrine potente para o homem. O cinema e a televisão amplificaram esse ideal ao exibir heróis e protagonistas com músculos imponentes, admirados por todos e desejados por mulheres. Com o advento da internet, essa vitrine se expandiu ainda mais, aproximando o homem comum da possibilidade de ser percebido como objeto de desejo, admiração e status. Nada disso, entretanto, tem relação direta com autocuidado ou saúde. Um alto investimento no exterior não implica, necessariamente, investimento na dimensão interna do homem. Muitas vezes, por dentro, há desordem, insegurança e sofrimento, mas por fora, a aparência conta outra história. Diferentemente das mulheres, que investem mais no autoconhecimento, terapia e cuidado afetivo, o homem caminha a passos lentos nesse tipo de autocuidado. Assim, surgem homens fortes, com boa aparência, mas emocionalmente inseguros e com potencial de criar um cenário perigoso para demonstrações de sua força e poder, além de uma autoestima descolada da realidade. Essa discrepância entre a aparência e a realidade interna revela a urgência de ampliar o conceito de autocuidado masculino, ultrapassando o físico e alcançando as demais dimensões do ser humano.

Em sua obra, Viktor Frankl destaca que o ser humano é tridimensional e indivisível, ou seja, a dimensão física está ligada a dimensão psíquica e noética, sendo assim necessário que o homem invista no seu desenvolvimento de forma integral, para que não viva de forma reduzida ou irrefletida. É necessário, então, que o homem aprenda a acessar suas fragilidades e vulnerabilidades, acessando a dimensão mais interna, permitindo desenvolver-se emocionalmente e espiritualmente, construindo uma força que não dependa apenas do que mostra, mas também do que se é internamente.

Ronnedy Paiva é psicólogo, especialista em Psicologia Existencial, Humanista e Fenomenológica e Pós-graduando em Logoterapia e Análise Existencial. Natural de Londrina-PR, gosta de futebol, livros, estudos, conversas e comida boa! Escreve sobre existência e masculinidade, acreditando que o diálogo pode transformar as relações existentes consigo, com o outro e com o mundo. @ronnedypaiva

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