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O sentido da vida em comunidade

Lorena Bandeira

Vivemos tempos marcados pela hiperconectividade e pelo individualismo exacerbado. A sociedade contemporânea, dominada pela tecnologia e pelo consumo, tem se tornado uma sociedade de massa onde a identidade do indivíduo se dilui. Byung-Chul Han, em sua obra “No Enxame: Perspectivas do Digital”, discute como o ambiente digital transforma a coletividade em um enxame de emoções fugazes e efêmeras. Diferente de uma comunidade real, onde há vínculos duradouros e objetivos comuns, o enxame digital reúne indivíduos que compartilham impulsos momentâneos, mas não constroem relações autênticas ou um sentido de pertencimento.

O individualismo e suas consequências

A falta de um senso de comunidade tem diversas implicações negativas. No campo da saúde mental, há um crescimento exponencial da solidão e da depressão, com muitos indivíduos relatando sentir-se desconectados, mesmo em meio à constante interação virtual.

No cenário social, sociedades mais individualistas tendem a apresentar menor coesão e um enfraquecimento da responsabilidade coletiva.

Um exemplo emblemático desse individualismo foi a dificuldade inicial em lidar com a pandemia de COVID-19. Em muitos países, o desrespeito às medidas coletivas de proteção levou à propagação descontrolada do vírus. A falta de senso comunitário impediu ações mais eficazes e organizadas.

Comunidade como fonte de sentido e resiliência

Por outro lado, comunidades que cultivam um senso de pertencimento e colaboração demonstram maior capacidade de enfrentar desafios. Um exemplo brasileiro é o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que reúne populações impactadas por grandes empreendimentos hídricos para reivindicar seus direitos e reconstruir suas vidas coletivamente.

A mobilização dessas comunidades fortalece laços sociais e gera mudanças concretas na defesa dos direitos humanos e ambientais.

Outro exemplo relevante no Brasil é o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que, além da luta pela reforma agrária, desenvolve práticas comunitárias baseadas na agroecologia e na educação popular. O movimento demonstra como a organização coletiva pode transformar vidas, garantindo trabalho, moradia e um propósito compartilhado para milhares de pessoas.

Na Islândia, uma ação conjunta entre governo, educadores e famílias conseguiu reduzir drasticamente o consumo de álcool e drogas entre adolescentes por meio do fortalecimento de atividades comunitárias e da valorização do convívio social.

Outro exemplo clássico é a reconstrução de cidades devastadas por desastres naturais, como aconteceu em Fukushima, no Japão. Lá, a organização comunitária foi essencial para garantir a resiliência da população após o desastre nuclear de 2011. Em momentos de crise, a força de uma comunidade bem estruturada se torna um diferencial para a superação de dificuldades.

A comunidade como espaço de reconhecimento

Em uma sociedade onde a busca por visibilidade muitas vezes se sobrepõe ao desejo por vínculos reais, as comunidades oferecem algo raro: o reconhecimento autêntico. Participar de uma comunidade permite que o indivíduo seja visto em sua totalidade, não apenas por uma imagem ou desempenho superficial. É no contato cotidiano, nas trocas de cuidado e solidariedade, que se constrói uma identidade mais sólida e significativa.

A importância das pequenas comunidades locais

Mesmo em grandes cidades, é possível encontrar experiências de vida comunitária em associações de bairro, hortas urbanas, cooperativas de consumo e grupos culturais. Essas pequenas iniciativas contribuem para reduzir a sensação de anonimato urbano e promover uma cidadania ativa. O fortalecimento das redes locais pode ser uma resposta potente ao esvaziamento de sentido provocado pela vida em grandes centros urbanos.

Repensando nossa convivência

O desafio da atualidade é resgatar o valor da vida em comunidade sem abrir mão das possibilidades que a tecnologia oferece. Precisamos de interações que promovam pertencimento real, em oposição às conexões efêmeras das redes sociais. Participar de projetos coletivos, fortalecer vínculos presenciais e reconhecer a importância do outro na construção do sentido da vida são caminhos essenciais para equilibrar individualidade e coletividade.

Afinal, somos seres sociais. E é na troca genuína com o outro que encontramos um propósito maior.