Com a chegada do fim de ano, geralmente percebe-se um clima (clichê) tomando conta dos cenários e das conversas, trazendo momentos de reflexões sobre ciclos, agradecimentos, incertezas e também esperanças. Depois de um ano tão cansativo, após vivenciar um desses momentos de reflexão pessoal, cheia de perguntas, peguei meu livro e fui dar uma volta. Decidi parar, espairecer e caminhar pela orla carioca.
Cruzei com Tom Jobim e fui me sentar ao lado de Drummond, tomando uma água de côco despretensiosa. Sentindo a brisa de fim de tarde, do início de verão agradável que ainda não batia os 40° (obrigada!), abri meu companheiro livro de poesias do estimado Vinícius. Inclusive, ele ganhará também uma estátua de bronze por aqui nos próximos meses, para se juntar aos amigos-pedras mencionados acima. Homenagem merecida a um grande artista. Não canso de admirar a arte de Vinícius de Moraes! Com sua poesia envolvente, ele também celebrava, sempre com muita festa, esses momentos de transição, marcados por encontros e despedidas.
Nosso sensível poeta percebia os ciclos da existência como algo a mais do que um calendário a se cumprir, mas como encontros existenciais. No Samba da benção, canção que ele compôs, me saltou aos olhos o verso que diz: a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. E de repente me vi conversando com um papel! Indaguei alto:
– Como é a história, Vinícius? Há encontro no desencontro?
No que, para minha surpresa, ele mesmo responde nos versos:
– Porque o samba é a tristeza que balança. E a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não..
E, empolgada, fui lendo os outros versos, e livros, e ouvindo músicas e, assim, entendendo meu recém amigo Vinícius: na vida sempre haverá o encontro com o outro, consigo mesmo e com o mundo.
Permeados por tantos desencontros ou desilusões, decepções, tristezas, perdas e finais, os encontros vêm, seja na amizade, no amor ou na convivência humana (ou do mundo animal) de alguma forma. Quero enxergar o final de ano como o ponto de convergência desses encontros, num momento para celebrar o que foi vivido e, ao mesmo tempo, olhar para o futuro com a esperança de novos encontros, novos sentimentos, novas emoções, nos abrindo para novas possibilidades, para um encontro consigo, com o tempo e com as pessoas.
O fim do ano, então, não é um convite a um mero checklist de felicidade, ou um post pronto de “como serei triste se em 2024 eu…”, porque não se pode escapar da tristeza. É preciso uma maturidade muito maior para compreensão da ambivalência dos nossos sentimentos, trabalhando em nós a autenticidade de ser quem somos e quem queremos e ainda podemos ser. O meu ano foi difícil, cansativo e doloroso. Mas também foi vencido dia a dia, foi colorido, foi cheio de amor e conquistas que o dinheiro não compra, como apreciar (e viver) o crescimento das minhas filhas em meio ao tempo que passa! E, por falar em tempo, perdi a hora. Anoiteceu e eu, imersa na leitura, só percebi quando o côco acabou e levantei o olhar pra verificar se ainda restava a última gotinha tão docinha.
E tinha! Que bom poder levantar o olhar! Me nutri de arte e voltei pra casa mais leve. Te desejo, em 2025, que levantes o olhar (ou tente!) e aprecie até o restinho da água de côco! Que a arte faça parte da tua vida, da tua maneira e como a quiseres, porque, como diz outro grande mestre da arte musical, Belchior: viver é melhor que sonhar!
Raisa Mariz é psicóloga clínica e professora universitária. Mestre em saúde pública, especialista em logoterapia e saúde da família e pesquisadora nas áreas da infância e família. Natural de Campina Grande/PB, ama essa terra e todas as suas raizes nordestinas. Acredita na arte e educação como potencializadores de sentido de vida. O seu lugar é onde tem música, pôr-do-sol, familia e amigos.