Coluna
Diário de Sentido

por Luiz Guedes

O “ser mulher” na visão de quem não faz ideia do que é ser mulher

Inicialmente, tinha a intenção de redigir um texto sobre outro tema, mas considerei fundamental abordar a reflexão sobre o que significa ser mulher. Reconheço que jamais compreenderei completamente essa construção, tendo em mente apenas uma visão abstrata baseada nas observações e interações com mulheres tão diversas que categorizá-las torna-se desafiador. É importante esclarecer que o propósito deste texto não é adotar a antiquada e despropositada postura de pedir desculpas por ser homem, uma desculpa generalista que não contribui para a verdadeira luta das mulheres e que, na realidade, afasta os homens das responsabilidades reais na busca pela responsabilidade pessoal. Refletir sobre a ideia de “mulher” implica considerar a estrutura social, os papéis de gênero e a formação das concepções que permeiam o imaginário popular sobre o feminino. 


Conforme Simone de Beauvoir afirmou, “ninguém nasce mulher; torna-se mulher.” Analisar o processo de “tornar-se mulher” implica, inevitavelmente, criticar os papéis atribuídos ao masculino e ao feminino na sociedade. Será que ser mulher significa ser insegura, sensível, frágil e dependente dos homens? A estrutura patriarcal coloca a mulher em um patamar de “menos”, contrastando com a ideia de homem como “mais”. Ao levar a ideia social de mulher ao pé da letra, estaríamos sugerindo que ser homem é não ser inseguro, sensível, frágil e dependente? Essa dicotomia resulta em reducionismo. 


Ao definirmos o ser humano com base em características específicas, limitamos a capacidade de respeitar a pluralidade dos sujeitos e compreender a complexidade humana e seus diversos fenômenos. Restringir a experiência humana a “coisas de homem” e “coisas de mulher” limita as escolhas que fazem sentido para a singularidade de cada indivíduo. Abordar o tema do “ser mulher” é, na verdade, um exercício para compreender o ser humano, mas esse esforço só será frutífero quando houver uma suspensão de ideias pré-concebidas sobre identidade e gênero. A pergunta sobre o que é ser mulher permanece sem uma resposta clara para mim. Não porque eu seja um monstro sem empatia, mas porque nunca poderei vivenciar a experiência definida arbitrariamente para esse papel.


Me considero uma pessoa sensível em muitos pontos, inseguro em alguns outros, frágil em alguns e dependente em outros. Gosto de usar “cores femininas” nas vestimentas como tons de rosa, casei usando um terno marsala. Eu sei o que é marsala. Tenho uma forte ligação com cultura pop, amo Lady Gaga e sei fazer a coreografia de Bad Romance. Isso me faz uma mulher, socialmente falando? Não. Em última análise, ser mulher em nossa sociedade significa enfrentar o medo ao caminhar sozinha na rua, receio de violência física, psicológica e financeira. Envolve lidar diariamente com assédio e “piadas” sexistas sobre tarefas domésticas. Entender que, ao levantar a voz em qualquer situação, mesmo em resposta a um homem gritando, resulta em ser rotulada como desequilibrada. É saber que sorrir é necessário para receber ternura, mas sorrir “demais” pode levar a assédio, culminando em uma situação em que a vítima é responsabilizada por sua expressão. 


Ser mulher é carregar uma carga desproporcional de trabalho não remunerado em casa e, muitas vezes, mal remunerado fora dela. É permanecer vulnerável não como uma condição inata, mas devido à estrutura de violência que a sociedade reforça a todo momento. Ser mulher não parece seguro. Mas o que é ser mulher? Não sei. Só posso imaginar e perguntar como posso tornar esse ser mais autêntico, menos opressivo e com mais sentido.

Luiz Guedes é psicólogo logoterapeuta, especialista em Logoterapia e Psicologia Fenomenológica-Existencial, mestre em Psicologia e Saúde pela UFCSPA, gosta de nerdice e acredita que a construção humana e social passa por consciência de classe. Também adora dogs de roupinha e so quer sossego na vida. @diariodosentido

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