Grande parte das pessoas passa a maior parte de suas vidas trabalhando. Algumas, mais do que outras, dedicam intencionalmente seus dias ao trabalho — desenvolvendo habilidades, estruturando metas e projetos, transformando pensamentos e comportamentos em busca de sucesso, ascensão, estabilidade, ou até mesmo do sentido de suas vidas.
O problema é que o sentido do trabalho profissional possui prazo de validade. Dificilmente fazemos a mesma coisa, todos os dias, até o fim da vida. Seja pela evolução das profissões, pelas transições de carreira ou pelo fator mais inevitável e essencial da existência humana: o envelhecimento.
E depois de tantos anos dedicados a construir uma persona profissional, o que resta quando já não se pode exercê-la?
O envelhecimento já está presente no mercado de trabalho — e não é de hoje. Em especial nas classes socioeconômicas mais baixas, ele sempre esteve ali, invisibilizado. A diferença é que, agora, observa-se uma mudança nos estereótipos: aos 60, há quem ingresse na faculdade; aos 70, quem comece a aprender um novo idioma; aos 80, quem se aventure no crossfit.
O envelhecer pode, sim, ser a idade da realização — de sonhos adiados, de metas pessoais, mas sobretudo da autorrealização. Nessa fase, surge a possibilidade de viver outras expressões do trabalho, que não necessariamente envolvem renda: o voluntariado, o cuidado com a saúde, o artesanato, a transmissão de saberes e tantas outras formas de colocar a vida em movimento. Ainda é possível vivenciar uma das maiores riquezas do ser humano: a capacidade de mudar, aprender e se desenvolver.
Quando não se pode trabalhar, ainda assim se deve — não pela obrigação de produzir, mas pela necessidade de continuar existindo em movimento. Estar em uma atividade recorrente, convivendo, criando e socializando é um dos maiores fatores de proteção à saúde mental, cognitiva e até física.
Desapegar do que se foi pode trazer sofrimento, mas também abre uma nova porta. E, do outro lado, talvez esteja justamente aquilo que o trabalho, por tanto tempo, impediu de florescer: o tempo, o prazer e o sentido de simplesmente viver.
Para os mais velhos, esta é uma reflexão sobre o que o tempo ainda pode oferecer — não como resignação, mas como potencialidade. Uma nova etapa te espera, feita de possibilidades que não precisam mais provar valor, apenas expressar sentido.
E para os mais jovens, que tantas vezes temem o envelhecer, este é um chamado à consciência: olhe para o seu trabalho e para as outras áreas da sua vida com presença. Pergunte-se, desde já — o que se pode fazer com o tempo que se tem?
Porque o trabalho nunca foi apenas o que fazemos — é também o modo como nos relacionamos com a vida, mesmo quando ela já não exige produtividade remunerada, mas ainda com servidão, crescimento e presença.
Flávia Costa é psicóloga clínica, logoterapeuta em formação e mentora de carreiras. Natural do Rio de Janeiro, tem como missão disseminar a aplicabilidade da Psicologia no dia a dia. @flaviacpsi